Folha de S. Paulo


Internada há 4 anos, Dalva pede com gestos para ir para casa

Dalva caminha pelo hospital Dom Pedro 2º, no Jaçanã (na zona norte de São Paulo), com a desenvoltura de uma jovenzinha, mas os cabelos brancos denunciam: está na terceira idade.

De sorriso fácil, Maria Mudinha, como já foi chamada no hospital onde está há quatro anos, faz amizade logo.

117 pacientes 'sem nome' vivem em hospitais de São Paulo

Com rapidez, trança o seu braço com o da repórter-fotográfica toda vez que ela lhe pede para andar em busca de um novo cenário para a foto.

Ao ser fotografada, faz diferentes poses com as mãos, ora na cintura, ora no rosto, como se fosse uma modelo profissional.
É com a mesma simpatia que Dalva faz crochê com as amigas, também pacientes.

Apesar do desembaraço, a idosa vive como que presa em seu mundo particular, a exemplo do jornalista francês Jean-Dominique Bauby, cuja paralisia do corpo aliada a uma mente lúcida foi relatada em livro e no filme "O Escafandro e a Borboleta".

Raquel Cunha/Folhapress
Muda, Dalva chegou a hospital da zona norte de SP há quatro anos sem documentos; ela usa gestos para pedir pra ir pra casa
Muda, Dalva chegou a hospital da zona norte de SP há quatro anos sem documentos; ela usa gestos para pedir pra ir pra casa

PALAVRAS

Dalva lê os lábios e escuta bem, mas foi diagnosticada como muda. O hospital entende que ela é analfabeta.

Ao receber papel e caneta, ela desenhou símbolos religiosos -uma cruz, a estrela de Davi e a meia-lua com a estrela, do islã.
Escreveu, ainda, em letras de forma: "türkçe" e "pycckии" -termos que significam "turco" e "russo"- e outras cinco palavras incompreensíveis.

A mensagem das cinco palavras segue um mistério para o hospital e para a reportagem. Procurados pela Folha, os consulados da Turquia e da Rússia disseram que a frase nada significa em seus respectivos idiomas.

Todos os dias, ela insiste em tentar falar com os funcionários. "Ela emite sons, como que nos cobrando uma resposta", conta a diretora Sueli Luciano Pires.

Um gesto é repetido diariamente. Os dedos polegar e mínimo são estendidos próximo ao ouvido, como se ela falasse ao telefone, e a mão pousa no coração.

Para os funcionários do Dom Pedro 2º, Dalva pede para ir para casa.

Veja aqui a relação de pacientes sem identificação em hospitais de São Paulo.


Endereço da página:

Links no texto: