Folha de S. Paulo


Homem é preso sob suspeita de manter mulher e filhos em cárcere por 22 anos

Um homem de 58 anos foi preso em flagrante, em Campo Grande, sob suspeita de manter a mulher em cárcere privado durante 22 anos.

Segundo a Polícia Civil, os filhos do casal, de 15, 13, 11 e 5 anos de idade, também eram mantidos nas mesmas condições, sob constante ameaça. A mulher, de 44 anos, foi encontrada com hematomas por todo o corpo e praticamente sem dentes.

A delegada Rosely Molina disse que o servente de pedreiro Ângelo da Guarda Borges foi preso na quarta-feira (17) após denúncia anônima.

A casa em que a família morava tem muros altos e um portão de ferro apenas com um visor. Em um dos muros, Borges instalou um retrovisor de carro para controlar o movimento na rua.

Em depoimento à polícia, o homem negou que tivesse agredido a mulher, mas confirmou que mantinha os filhos em casa, sob constante vigilância.

"Ele disse que filho dele não tinha que ir para a rua virar bandido, virar traficante. Dizia que o bairro era muito violento", disse a delegada.

Segundo a polícia, a mulher tinha a chave do portão e, por vezes, conseguia sair para pedir comida aos vizinhos. Apesar disso, o caso é considerado sequestro e cárcere privado, pois a vítima não conseguia fugir nem denunciar as agressões.

"Ele impunha um temor tão grande na mulher e nos filhos, [que] a privação da liberdade acontecia por causa do efeito psicológico que ele causava neles", afirmou a delegada.

A mulher relatou à polícia que tudo era motivo para agressão. As crianças não tinham permissão de falar com o pai, a não ser que ajoelhassem no chão.

Os meninos também não podiam ver televisão e, na única vez que o garoto de 11 anos ligou o aparelho sem permissão do pai, foi agredido. "O pai socou a cabeça do filho na televisão", afirmou a delegada.

No domingo, o homem teria usado um cabo de enxada para bater na mulher, depois que encontrou escondido um pão caseiro que ela ganhou da vizinha.

A mulher tem hematomas nos braços, pernas, nádegas e costas. "O corpo dela me surpreendeu muito: do pescoço para baixo ela tem marcas", disse a delegada. A mulher também perdeu
vários dentes em outras agressões que sofreu do marido.

Em agosto deste ano, ela saiu de casa, acompanhada dos filhos, e pediu ajuda ao Conselho Tutelar.

O coordenador Alex Fabiano diz que, naquela ocasião, ela relatou que estava sendo ameaçada pelo marido, mas não falou em agressão física.

O conselheiro plantonista que atendeu o caso a deixou na delegacia e a orientou para que fizesse o registro de um boletim de ocorrência.

"Ele poderia acompanhá-la, mas a situação apresentada naquele momento não mostrava que era necessário, não se observou a situação que foi apresentada agora", disse. Ainda segundo Fabiano, ela não registrou na Polícia Civil a denúncia contra o marido.

A delegada conta que os familiares da vítima foram se afastando, pois Borges não gostava da presença de nenhum deles. Por várias vezes, manuseava um revólver e dizia que não queria ninguém por perto.

A delegada afirmou também que o pai da mulher mantida presa em casa contou que, quando a filha engravidou pela primeira vez, há 15 anos, denunciou o genro à polícia. "Mas ela chegou na delegacia e disse que não era bem assim, que ele era agressivo, mas tinha prometido melhorar."

Na escola, a situação também não foi descoberta. Apenas dois dos quatro meninos frequentavam as aulas e foram descritos como retraídos.

O mais velho, de 15 anos, não estudou porque teria recebido uma carta de ameça de morte de outro jovem. Na verdade, segundo a polícia, a carta foi escrita pelo próprio pai dele.

Os vizinhos sabiam das agressões, pois ouviam o choro das crianças. No momento da prisão, de acordo com a delegada, eles aplaudiram. "Eles sabiam, mas tinha medo, temiam por eles e pelos próprios filhos, porque ele [Borges] é muito violento."

Borges está detido na 4ª delegacia de Campo Grande e foi indiciado sob suspeita de sequestro e cárcere privado, lesão corporal e ameaça. A polícia ainda analise se ele também pode ser enquadrado pelo crime de tortura.

A mulher e os quatro garotos estão em um abrigo destinado a vítimas de violência.


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