Folha de S. Paulo


Jovens fazem greve de fome pela liberação de manifestantes presos no Rio

Dois manifestantes fazem desde a tarde da última quarta-feira (6), no centro do Rio, uma greve de fome em protesto pela liberação de duas pessoas que ainda estão presas por conta das manifestações na cidade.

Os rapazes, que aparentam ter pouco mais de 20 anos, estão algemados a correntes presas a dois postes de luz em frente à Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Um grupo de cerca de 20 pessoas se reveza em vigília aos manifestantes.

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Eles fizeram parte do Ocupa Câmara, acampamento de protesto que chegou a reunir 20 barracas na porta do legislativo da cidade por quase dois meses. No último dia 15 de outubro, após protesto dos professores que terminou em violência, a Polícia Militar prendeu 60 manifestantes na escadaria da Câmara e aproveitou para desfazer o acampamento.

Na terça-feira passada, após o protesto chamado Grito da Liberdade, um grupo tentou reocupar o local durante a madrugada, com duas barracas. A Guarda Municipal desmontou o acampamento de manhã e conduziu dois manifestantes para a delegacia.

Um deles é o ativista conhecido como "Game Over", 25, que está fazendo greve de fome há mais de 48 horas junto com o estudante de engenharia civil Elson Theodoro, 29. Game, como ficou conhecido, diz ser dono de uma empresa de programação digital e não quis dar seu nome.

A dupla se alimenta de água e um soro composto com sal e açúcar diluídos. Quando os ativistas precisam urinar, simpáticos à causa fazem uma "rodinha" para garantir a privacidade e também impedir que sejam acusados de algum tipo de crime por estar com com as partes íntimas à mostra. Além de água e do soro, há garrafas destinadas ao descarte das guimbas de cigarro.

Quinta-feira passada, a chuva, que caiu quase o dia todo, testou o moral dos dois, que dizem ter dispensado guarda-chuva como forma de solidariedade aos presos sem conforto. Na sexta-feira, foi a vez do sol forte incomodar. Os dois tiveram que passar protetor solar, mas mesmo assim não evitaram ficar com a pele avermelhada. Um médico simpático à causa os visitou na quinta-feira, deu dicas de dosagem do soro e verificou o estado físico dos dois.

Eles contam que não receberam a visita de nenhuma autoridade ainda, apenas manifestantes e militantes dos direitos humanos. Policiais militares fizeram uma revista na dupla, na manhã desta sexta-feira, em busca de possíveis armas. Passantes param para cumprimentá-los de quando em quando e curiosos se aproximam para saber o que se passa.

"Estamos aqui pelos presos políticos e só vamos sair quando eles foram libertados. É preciso que as pessoas se conscientizem do que está acontecendo no Rio. Os movimentos estão sendo esmagados pelo Estado", afirmou Game.

O segundo da dupla, Elson Theodoro, conta que já foi detido para averiguação durante uma manifestação em Laranjeiras, próximo ao Palácio Guanabara, sede do Governo do Estado do Rio. Ele conta que não era engajado politicamente quando as manifestações começaram em junho e disse que tomou a atitude radical porque acredita que é uma forma de chamar atenção das pessoas e também de pressionar o poder público.

"A maioria das pessoas que estão nas ruas está participando pela primeira vez dos movimentos sociais. Eu era aquele jovem de sofá, acomodado com a situação do país. Acho que como o movimento é novo, ainda estamos encontrando a melhor maneira de expressar nossa indignação", disse Theodoro.

Questionado sobre depredações e a radicalização do movimento, o estudante não se posicionou contra ou à favor. Enfatizou apenas que ela é reflexo da violência policial. "É um movimento que se retroalimenta. A polícia bate nos manifestantes que, por sua vez, ficam mais violentos. A greve de fome é uma forma de resistência pacífica que tem um impacto importante", disse.

PRESOS

Os dois presos nas manifestações que ainda estão na cadeia são o ativista ligado ao Fist (Frente Internacionalista dos Sem Teto) Jair Seixas, conhecido como Baiano, preso no último dia 15 no centro do Rio, e o morador de rua Rafael Braga Vieira, preso em junho. Jair foi autuado por formação de quadrilha junto com outros detidos no mesmo dia. Advogados voluntários afirmam que a manutenção de Baiano na cadeia se deve ao fato de ele não ter documentos.

O ativista disse à época que seus documentos foram "confiscados" pela polícia após policiais retirarem à força os manifestantes da primeira edição do Ocupa Cabral, acampamento de protesto que foi levantado na esquina da casa do governador Sérgio Cabral, no Leblon, em junho. Rafael, segundo advogados voluntários que o ajudaram durante sua detenção, estaria com uma garrafa de material de limpeza quando foi preso, em 17 de junho, no centro. A polícia alegou porte de material inflamável. Como Rafael teria passagens pela polícia, eles responde ao processo na cadeia.

"Eu não conheço o Rafael, mas conheço bem o Baiano e sei quais foram as condições de sua prisão. Ele não estava fazendo nada e não tem flagrante. Foi arbitrário. Eu acho que se é para investigar, que se investigue, que se abra inquérito, mas as pessoas têm que responder em liberdade. Caso fique comprovado o crime, aí sim prende. A presunção da inocência, característica de uma democracia, tem que ser respeitada", disse Game.


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