Folha de S. Paulo


Familiares de manifestantes montam vigília em DP

Quando o menino Hugo, 15, detido durante o protesto do Movimento Passe Livre da sexta-feira, desceu as escadarias do 1º Distrito Policial, na rua da Glória, bairro da Liberdade, centro de São Paulo, às 4h de ontem, logo depois de ter sido liberado, a galera que o aguardava irrompeu eufórica em aplausos.

Quase uma logomarca punk, Hugo tinha o cabelo esculpido em chifres à base de muito laquê, calças com cada perna feita de um tecido, jaqueta de couro preta com tachas prateadas. Estilo total. Hugo retribuiu os aplausos sorrindo, tímido.

Ele era apenas um dentre os 78 manifestantes levados à delegacia "para averiguação". Chegaram por volta das 23h de sexta. Logo, aquele trecho da Liberdade, famoso pela concentração de caraoquês, transformou-se em uma rave dos protestos.

Cerca de 150 pessoas, amigos dos detidos, colegas de escola e trabalho e, principalmente, pais, que saíram de suas casas tão logo souberam das prisões dos meninos, dividiam o asfalto, ansiosos, enquanto trocavam informações desencontradas.

Dentro do DP, em uma grande sala, policiais civis e militares andavam de um lado a outro entre os 78 detidos. Investigadores, delegados e PMs usavam seus iPhones e ampliações de fotos dos protestos, capturadas na internet, para tentar identificar pelas roupas, máscaras e outros acessórios, ativistas "black blocs" que, pouco antes, mascarados, haviam participado da destruição de ônibus, agências bancárias e postos de venda de bilhetes únicos.

Principalmente, visavam identificar os agressores do coronel Reynaldo Simões Rossi, espancado por um grupo de cerca de dez manifestantes. O PM foi atingido na parte de trás da cabeça e teve a clavícula quebrada.

Quatro fotógrafos e um cinegrafista, que estavam entre os detidos, tiveram os cartões de suas máquinas apreendidos. "Os policiais disseram que iriam fazer perícia nas imagens de nossas câmeras, para ver se ali haveria a possibilidade de identificar algum 'black bloc'. É incrível quererem nos transformar em colaboradores da repressão", protestou um dos fotógrafos detidos, ao ser liberado.

Avener Prado/Folhapress
Manifestantes encontram colegas após deixarem o 1ºDP, no centro, onde estavam detidos
Manifestantes encontram colegas após deixarem o 1ºDP, no centro, onde estavam detidos

Lá fora, a turma compartilhava biscoitos e água, que o MPL providenciou depois de uma vaquinha. Até que o coletivo de jornalistas "Mídia Ninja" colocou na internet um filme mostrando a agressão ao coronel da PM. Uma fotógrafa que aguardava a liberação de seus colegas detidos acusou: "Isso é covardia, mano! Não se faz. Parece linchamento e eu sou contra isso". Um secundarista, estudante da Escola Técnica Estadual de São Paulo, retrucou: "Foi só o troco. A polícia é assassina!" Os entrevistados não se identificaram.

Por alguns minutos, acabou em bate-boca o clima de paz e amor da rua. Mas, quando a polícia começou a liberar a turma, depois de fotografar e identificar cada um deles, voltou o climão de festa, com direito inclusive a cantoria. Um estudante da USP, anarquista e ativista do MPL, começou, de cima da escadaria do DP, a cantar o hino da Comuna de Paris, a "Internacional". Logo o coro de amigos no chão da rua emendava: "De pé! De pé! Não mais senhores". Mais aplausos. O menino saiu do DP e foi direto receber o abraço da mãe, jornalista e escritora de livros infantis, que o aguardava no meio da rua.

Às 5h30, desceu a escadaria do DP o penúltimo detido. Sobrou apenas o jovem Paulo Henrique Santiago dos Santos, 22. Estudante de relações internacionais da Faculdade Santa Marcelina, ele foi flagrado na cena da agressão ao coronel. Nas fotos divulgadas pela internet e jornais, não estava batendo. Mesmo assim, foi indiciado sob a acusação de suspeita de tentativa de homicídio. Desenturmado, ninguém entre os ativistas dizia conhecê-lo. Quando o show acabou, restaram apenas cinco amigos do rapaz, colegas de escola, na rua da Glória. "Ele é trabalhador, inteligente, estudioso. Estava no protesto apenas por curiosidade", diziam.

Os leões de chácara dos caraoquês, R$ 10 o ingresso, enfim, puderam prestar atenção apenas nas gritaria das vozes desafinadas cantando "Detalhes", de Roberto Carlos.


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