Folha de S. Paulo


Em cidade sob suspeita de desvios na saúde, faltam remédios e sobram pacientes

"Tem mais gel?". No posto de saúde de Rosário (MA), a médica Raíssa Sá, 27, interrompe uma consulta para perguntar pelo produto. Um funcionário avisa: não tem no estoque.

Raíssa fecha a porta e volta ao trabalho. Recém-formada, ela encarou na última quarta-feira (16) seu primeiro dia como médica no programa Saúde da Família.

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A estreia foi em um posto de saúde de Rosário, município de 40 mil habitantes no interior maranhense que decretou situação de emergência neste ano após indícios de desvios de recursos do SUS (Sistema Único de Saúde).

Há dois anos, uma auditoria federal constatou irregularidades na gestão de R$ 6,9 milhões em verbas do SUS repassadas ao município.

Entre os problemas estavam o número de equipes do PSF incompatível com o total de recursos repassados pelo Ministério da Saúde, despesas sem comprovação e unidades de saúde que deveriam ter recebido recursos em condições precárias e sem equipamentos.

"Muita gente veio me dizer: 'até que enfim vai ter médico'", diz a jovem, que firmou contrato para trabalhar na comunidade de Curral Velho uma vez por semana. Nos demais dias, trabalha com urgência e emergência na capital, São Luís, a 70 km dali.

A chegada da doutora chamou a atenção de moradores, que então procuraram atendimento no posto. Quando a Folha esteve no local, no início da tarde, Raíssa já somava 22 consultas –a maioria de mulheres e crianças.

Do lado de fora, os bancos do posto ainda estavam cheios de pacientes esperando.

Ainda assim, Raíssa diz que o dia foi tranquilo. "A maioria veio para mostrar exames e dar encaminhamentos que faltavam."

O único problema foi o material: logo no primeiro dia, a médica notou a falta de antibióticos –sem todos os remédios, olhava em uma lista na parede quais estavam disponíveis.

CONTRASTE

Em outro posto da cidade, a médica Elenice Milhomem, 24, vivia uma situação diferente. Só para chegar do centro ao povoado de Itaipu, onde iria trabalhar, teve que encarar mais de uma hora e meia de viagem.

Teve sorte: era dia de sol. Quando chove, o acesso só é possível de barco, segundo moradores.

Ao chegar, encontrou uma unidade de saúde improvisada. A sede, onde deveria funcionar o posto, estava trancada, e um novo local de atendimento foi adaptado às pressas –mas não tinha nem sequer maca.

"Só tinha uma mesa e duas cadeiras, uma minha e outra do paciente. Era impossível fazer um exame físico", diz.

Em seguida, pensou em solicitar exames, mas soube que o laboratório mais próximo fica em outro município. Também não encontrou medicamentos.

Mesmo sem recursos, atendeu 25 pacientes –o local estava sem médico havia quase seis meses. "Fiquei triste. Você tenta fazer atenção básica, mas não dá", afirma.

De acordo com a secretária da Saúde de Rosário, Mauricéa Lopes, a prefeitura deve aplicar ainda neste ano cerca de R$ 600 mil, valor obtido por meio de uma emenda parlamentar, em reforma das unidades de saúde e compras de equipamentos. A unidade de Itaipu é uma das unidades que devem passar por reformas até novembro, afirma.

O município também deve receber cinco médicos cubanos por meio do programa Mais Médicos para ajudar na demanda de atendimento, segundo a secretária da Saúde.

Editoria de arte/Folhapress

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