Folha de S. Paulo


Diria aos cubanos que estão indo para o Brasil para que busquem sua liberdade

O enfermeiro cubano Alain García Caballero, 30, desistiu de servir o governo de seu país. Recrutado em Cuba ele foi para a Venezuela no ano passado para trabalhar em comunidades carentes da cidade de Barquisimetro. Nove dias após sua chegada, ligou para a embaixada dos Estados Unidos pedindo o visto americano. Em menos de um mês, ele deixou seu trabalho e seguiu seu sonho americano.

*

Cheguei na Venezuela no dia 21 de maio de 2012. Fui levado para trabalhar em Barquisimeto [no centro da Venezuela]. Desertei da missão depois de nove dias.

Não eram o que tinham me falado. As condições eram ruins. O que me fez desistir, em primeiro lugar, é o fato de todo cubano querer a liberdade. Depois, era uma via de saída ter o visto americano.

Liguei para uma funcionária da embaixada americana em Caracas e ela me deu um correio eletrônico. Cinco minutos depois de mandar o e-mail, eu recebi uma resposta deles. Em 28 dias eles me deram meu visto.

Na Missão Bairro Adentro [a missão médica do governo que emprega cubanos] pagavam pouco, 1.500 bolívares fortes [R$ 559], que não dava para nada. Trabalhávamos 24 horas, e descansávamos as próximas 24 horas.

Vivíamos 28 pessoas numa casa. Nós que pagávamos a comida, às vezes faltava água. Tínhamos de obedecer um regulamento interno.

Não podíamos sair depois das 18h, não se podia falar com nenhum venezuelano desconhecido, nem falar com nenhum parente que estivesse nos Estados Unidos. Eram essas regras e muitas mais.

Tive sorte. Porque chegaram a ficar com meu passaporte quando cheguei no aeroporto, mas depois me devolveram. Depois, não me pediram mais o documento.

SELEÇÃO

Eu me formei em uma Universidade de Matanzas [em Cuba] no ano de 2006.

Fui selecionado quando era enfermeiro de unidade de terapia intensiva.

Eu fui recrutado. Não podia dizer que não. Em Cuba não podemos dizer o que sentimos. Se eu dissesse que não, quando eu tentava fazer mestrado talvez eles me impedissem. É assim que funciona.

Para a maioria vale a pena, claro. Quando vamos a uma missão, é por causa do dinheiro.

Lá em Cuba temos que viver com US$ 20 ao mês. Quem vive com isso? Um profissional formado?

É duro se afastar da família, dos amigos. Na Venezuela, tínhamos de enfrentar violência, que não estávamos acostumados. Mas a ideia é melhorar economicamente.

Deixei minha mãe e meu pai em Cuba. Depois de oito anos, eles vão me permitir visitá-los.

LIBERDADE

O que eu diria aos [médicos] que estão indo para o [pelo Mais Médicos] Brasil é que busquem sua liberdade.

E aos brasileiros eu diria que os médicos cubanos são bem formados. Trabalhamos sem condições, trabalhamos com o coração. Somos muito humanos, deixando de lado tudo sobre o sistema político. Os médicos que vão para o Brasil tenho certeza de que serão assim.

Se eu estivesse em Cuba, e tivesse de escolher, eu escolheria ir ao Brasil, um país solidário. Mas o contrato deveria ser com o pessoal da área médica, não com o governo cubano. Deveriam pagar a eles pessoalmente.

Quando cheguei aos Estados Unidos, meu primeiro emprego foi num McDonalds.

Pouco tempo depois, fiz uma prova simples e agora trabalho como auxiliar de enfermagem numa casa para idosos. Estou estudando inglês, pago pelo governo dos Estados Unidos.

Daqui a um tempo quero fazer a prova para validar meu diploma de enfermeiro. Conheço muitos que já fizeram isso. Aqui um profissional ganha pelo que estudou, pelo que trabalha, pelo que se sacrificou.


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