Folha de S. Paulo


Invadido, conjunto habitacional tem equipe de síndicos e condomínio de R$ 50

"O portão está aberto, mãe, a senhora não precisa quebrar nada para entrar", ouviu a cuidadora de idosos Irma Madureira, 47, ao telefone. Do outro lado da linha, o filho dizia que o conjunto habitacional Caraguatatuba, na zona leste de São Paulo, havia sido invadido no dia anterior. Era 24 de julho.

Ao saber que poderia conseguir uma "chave", Irma buscou a neta recém-nascida no hospital e o restante da família --dez pessoas ao todo-- e seguiu para Itaquera.

Prefeitura e Caixa afirmam que tentam "negociação amigável" para saída de famílias de conjunto invadido

Não foi a única. Por meio do boca a boca, os 940 apartamentos, construídos no valor de R$ 48,6 milhões do Minha Casa, Minha Vida, completaram um mês ontem totalmente ocupados. A invasão adotou o formato de um condomínio organizado.

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Hoje, o local tem síndico geral, seis equipes de síndicos e subsíndicos e um conselho de gestão formado por 15 novos moradores, o "G-15".

"Há vezes em que fazemos até quatro reuniões por semana", conta o feirante Gentil Pessa Filho, 30, eleito em assembleia como síndico geral.

Segundo ele, uma administradora foi contratada para cuidar das despesas, que envolvem portaria, limpeza e manutenção. A partir de setembro, cada família pagará R$ 50 de condomínio por mês.

Também há avisos e listas de regras na porta de cada um dos 47 prédios de quatro andares --silêncio, por exemplo, é obrigatório após as 21h.

Na portaria, a equipe mantém uma lista com o nome de todos os novos moradores. Um cartaz mostra a concorrência por vagas: "Temos 300 famílias na lista de espera."

Uma onça de pelúcia no telhado "reforça" a vigilância. A ideia é formar uma equipe fixa de segurança --hoje, famílias se revezam na função.

"Sei que a forma como entramos não foi legal. Mas estas pessoas precisam de moradia", afirma o mecânico João Carlos Gomes, 43, um dos quase 6.300 ocupantes do local, segundo estimativa do grupo.

OCUPADO

Para organizar a distribuição de apartamentos, cada porta ganhou o nome do morador ou a mensagem: "Ocupado". Outros decoraram com imagens de desenhos.

É em um desses espaços que se esconde o novo lar de Eliane Melo, 24. Selecionada para receber um apartamento do Minha Casa, Minha Vida, ela diz que decidiu participar da invasão por medo de ficar sem vaga. "Vim junto. Ia perder? Não. Se todo mundo invadisse, ia ter que esperar por outra", conta.

Em menos de 15 dias, entregou as chaves do apartamento onde morava de aluguel. Primeiro, levou o fogão e um colchão. Em seguida, chegou com todos os móveis --que incluem dois sofás, rack, TV, fotos, armários e objetos de decoração.

De quebra, trouxe parte da família da amiga Auricélia Oliveira, 23--hoje na lista de espera para conseguir um apartamento no conjunto habitacional-- para dividir o apartamento de dois quartos.

"Sou do Maranhão. Quando vim para cá, ficou difícil. Com o dinheiro do aluguel, podia pagar por alguma coisa que fosse da gente", diz.

DE MUDANÇA

Do lado de fora do conjunto, caminhões de mudança e das Casas Bahia lotam a entrada em alguns momentos.

Um dos poucos apartamentos ainda vazios é a da técnica em enfermagem Thâmara Silva, 32. Com medo de uma possível reintegração de posse, ela decidiu deixar os móveis na casa da mãe. "Só não me mudei ainda porque é complicado você ter três filhos e vir para uma coisa que não é segura."

Enquanto isso, planeja colocar azulejos no piso do apartamento de dois quartos, sala, banheiro e cozinha. E diz que pretende pagar para ficar. "Se pago quase R$ 600 de aluguel, por que não posso pagar minha casa?", afirma, referindo-se às prestações do programa federal.

Ela também critica o critério de seleção para os novos conjuntos habitacionais. Segundo famílias do local, o Caraguatatuba estava abandonado havia mais de um ano.

"Tenho todo o direito de estar aqui. Se o critério for por [tempo na] fila, estou há mais de dez anos. A gente não fez nada de errado. É um direito que está na Constituição: ter moradia digna", afirma.


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