Folha de S. Paulo


Sindicalistas fazem protesto em todo país, mas adesão é baixa

"Abaixo o valor da abilitação" (sic), estava escrito em um cartaz. "Esse povo me reprezenta" (sic), em outro. E, no alto do único trio elétrico, com o gerador a mil, "Queremos ajuda é educação. Quemos paz" (sic).

A ponte estaiada da marginal Pinheiros foi cenário de duas manifestações completamente distintas, de um mês para cá. Ambas paralisaram o trânsito, gerando o caos nas imediações. Em 17 de junho, contavam-se aos milhares os manifestantes. Sem uma liderança definida, com uma agenda difusa, e muitos estudantes.

Ontem, eram 300. Certamente a proporção de pretos e pardos era maior, assim como os cortes de cabelo ao estilo de Neymar. Havia pouquíssimas mulheres. A maioria dos participantes foi arregimentada nos canteiros de obras na rica vizinhança do entorno --afinal, se tratava de uma mobilização convocada pelo sindicato de construção civil da cidade.

"A gente que construiu essa ponte", bradava o locutor da ocasião, de quepe preto de couro.

Eram peões, carpinteiros, armadores, soldadores, encarregados, ganhando salários de R$ 1.500 a R$ 2.500. "É o povo mais humilde, que está atrás, escondido. Que se utiliza dos serviços públicos diretamente e que sofre com seu impacto. Aqui a pancada é mais forte", comentou Edson Biscola, 36, montador, que participou de ambas manifestações.

"Em junho não tinha apoio de sindicatos nem partidos, era o povo na rua contra o jeito de se fazer política no Brasil".

Claro que as melhorias na saúde, na educação, nos transportes, na justiça, faziam parte do repertório. Mas desta vez a pauta de reivindicações era mais previsível. Redução da jornada de trabalho. Fim do fator previdenciário. Incentivos fiscais.

Na avenida Paulista o cenário não era muito diferente. Com o detalhe de que havia dez centrais sindicais reunidas, vários partidos de esquerda, além de movimentos sociais em defesa do direito à moradia, MST, e representantes de coletivos, inclusive do MPL. Muitas bandeiras, faixas e balões representando as agremiações. Se houve algum tipo de vandalismo, ele foi sonoro: quase uma dezena de trios elétricos com as indefectíveis lideranças sindicais soltando a voz no microfone atordoavam os ouvidos de quem estivesse por perto.

Tanto na Paulista como na ponte Estaiada, chamava a atenção o número restrito de participantes. Ou, em outras palavras, a incapacidade de mobilização das massas por parte das entidades bem estruturadas que convocaram os protestos.

De acordo com o professor de inglês Cristiano Vergetti, 42, que vestia a camisa da Força Sindical, a maioria dos participantes do protesto na Paulista era composta por funcionários ou militantes das agremiações.

Mas não se pode generalizar. Bancários, comerciários e motoboys apareceram mais organizados e com um maior número de representantes. MST também.

O sociólogo Rudá Ricci associa as manifestações de junho ao século 21 e as de ontem, ao século 20. "Hoje todas centrais sindicais estão vinculadas a partidos, portanto fazem parte da elite política". Para ele, nas manifestações de ontem "o interlocutor é o Estado, não a sociedade. Elas não assustam os donos do poder. Fazem parte da dinâmica já conhecida e decifrada no século passado".

"Não que isso não as legitime", pontua. Mas as manifestações de junho, abalaram profundamente as certezas políticas e até teóricas".

Fernando Freitas, ex-preso político e membro do Partido Comunista Brasileiro, 63, que esteve na avenida Paulista, foi mais direto: "os sindicatos contam com uma boa estrutura, mas seu discurso está ultrapassado.

Mesmo contando com redes de TV fechadas e uma máquina de propaganda, eles não conseguem chamar o povo, que não acredita mais neles. Salvo honrosas exceções".


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