Folha de S. Paulo


"Eles não fazem política de gabinete", diz pai de organizador do Passe Livre

O compositor e cantor Pedro Luís, 52 anos, assistiu ao programa Roda Viva, da TV Cultura, no último dia 17 de junho com um misto de orgulho e preocupação. Seu filho Lucas Monteiro, 29, estava ali, cercado de jornalistas que o questionavam sobre a violência nos protestos. Fundador do grupo Pedro Luís e a Parede, além de cantor e compositor do Monobloco, ele diz que o filho sempre foi ligado a causas sociais e não faz "política de gabinete". "O que era do instinto dele se transformou numa prática". Leia trechos da entrevista concedida à Folha.

Ex-alunos do colégio Equipe formam linha de frente do Passe Livre em SP

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Folha - Como você a participação de seu filho Lucas nesse protestos que mexeram com o país?

Pedro Luís - Vejo com preocupação e orgulho. Essa insistência em revelar o grupo de forma horizontal é muito bacana. Vi as entrevistas dele e da Nina [Cappello] e em outros momentos da Mayara [Camargo], do Caio [Martins], se manifestando com igual conhecimento de causa, mesmo sendo pessoas tão diferentes. Muito importante que haja uma juventude tocando em questões pontuais que são detalhes de uma pauta muito maior. É gente que está ajudando a levantar o debate democrático, isso é uma novidade no nosso país em relação aos anos que passamos na obscuridade, numa era tão complexa de demandas.

Seu filho sempre foi ligado a questões sociais?

É uma coisa que nasceu com ele. Desde muito pequeno, de quatro para cinco anos, sempre teve espírito crítico. Depois, um gosto pelo pensamento político e social. Acho que ele tem isso dos dois lados da família, por parte da mãe [que é professora, como Lucas], dos tios, avós, sempre muito politizados, especialmente ligados aos pensamentos de esquerda. Tudo isso alimentou um pouco esse exercício social. Acho que entra também a escolha da escola [colégio Equipe] e de quem ele foi se aproximando e se identificando. O que era do instinto dele se transformou numa prática.

O que você acha da visão de algumas pessoas que acham que eles são jovens de classe média e nunca pegaram ônibus?

A manifestação é livres para todos, não é? Apesar da grita da direita ou de quem quer que seja, os movimentos sociais, intelectualmente, saem do seio da classe média, o que não quer dizer que eles sejam menos legítimos. Outra coisa, eles [integrante do movimento] andam de ônibus, sim. Vou muito a São Paulo e toda vez que a gente se encontra, sei que o Lucas está andando de ônibus. Tanto ele como os demais. Eles são muito íntegros para falarem de algo que não experimentam. Apesar de serem da classe média e com um pensamento político desenvolvido especialmente no que concerne aos menos privilegiados, eles não fazem política de gabinete. Eles têm conhecimento de causa prático, não só teórico.

Ele sempre foi muito contestador?

Quando necessário. Chamar de contestador pode até soar pejorativo. Ele sempre teve senso de justiça muito apurado, sempre foi um observador, um pensador político. Ele desenvolveu essa característica e foi parar na prática política através dessa tendência [política].

Ele sempre morou com a mãe?

Sim, até se casar.

Eles deram uma pausa nos protestos, mas vão continuar em busca da tarifa zero. Você acha que eles conseguirão?

Não sei. Acho mais complexo. Apesar de ser interessante, a mira na tarifa zero oferece um caminho com muitas possibilidades. Esse anseio que levou a isso tudo traz as discussões sobre a mobilidade urbana para todas as classes, especialmente as menos favorecidas. Acho que não existe uma cidade do tamanho de São Paulo que tenha esse modelo de tarifa zero. Em cidades pequenas, essa prática é mais fácil. Mas, mirando nisso pode-se chegar a outras coisas, como na democratização do serviço, na reflexão sobre o transporte ser chamado de público, mas ser privado em quase 100% das cidades brasileiras... Esse formato está deturpado. Então, o movimento traz muitas discussões interessantes. É bom se refletir também na invasão dessa pauta conservadora, de direita, tomando as manifestações para si. Conversei sobre isso com ele. Claro que todos têm o direito de se manifestar, mas uma coisa que foi deflagrada por um pensamento acabou sendo absorvido por outra diametralmente oposta. "O gigante acordou" é o jargão mais próximo da ditadura militar.

O Lucas tinha noção que os protestos chegariam a isso?

Surpreendeu todos eles, mas positivamente. Eles ficaram felizes da capacidade de mobilização. Essa aparição deles, com um discurso coerente e com objetivos claros, fez pessoas que atuam nas causas nobres seja lá onde elas estão, observarem que eles não estão de bobeira.

O apelido dele é legume. Sabe por quê?

[risos]. Não sei mesmo, é coisa de escola. Quando percebi, já era o pai do legume.


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