Folha de S. Paulo


Bombas de gás lacrimogêneo precipitaram ataque ao Itamaraty

A depredação do Palácio do Itamaraty durante o protesto de ontem na Esplanada dos Ministérios ocorreu minutos depois de a multidão ser atingida por bombas de gás lacrimogêneo disparadas por soldados da Polícia Militar que queriam dispersar um grupo que tentava invadir o Congresso.

A Folha presenciou o momento em que um grande grupo de manifestantes, gritando palavras de ordem contra a polícia, rumou para o Itamaraty como uma reação imediata às bombas de gás.

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Até o momento em que as bombas foram disparadas, a maior parte dos manifestantes se posicionava ao lado da polícia, pois gritava "sem violência" e vaiava o lançamento, feito por manifestantes mais radicais, de "bombinhas" contra os policiais posicionados na frente do Congresso Nacional.

Os PMs haviam formado um grande cordão de isolamento na frente do Congresso Nacional. A polícia estava determinada a impedir que a marquise do prédio fosse invadida, como ocorreu na última segunda-feira.

Ao mesmo tempo, por volta das 18h00, um grande grupo de policiais da Rotam (unidade de policiamento ostensivo), da tropa de choque e da cavalaria conseguiu impedir que uma parte dos manifestantes se dirigisse ao Palácio do Planalto, onde naquele momento a presidente Dilma Rousseff ainda trabalhava. O grupo foi barrado pela polícia com empurrões e spray de pimenta e teve que retornar à frente do Congresso.

De volta, por mais de 40 minutos os policiais posicionados no cordão de isolamento à frente do Congresso, em especial aos que estavam no canto esquerdo do cordão, foram hostilizados por pessoas que queriam entrar no prédio.

Os policiais foram atingidos com "bombinhas", como as de festas juninas, garrafas d'água cheias de urina, parafusos, pregos, pedaços de metal e pedradas, segundo relatou depois o subsecretário de Saúde do Distrito Federal, Elias Fernando. Ele disse que cinco policiais foram atendidos com cortes e machucados. Um deles recebeu uma pedrada no peito e caiu.

A princípio, a Polícia Militar conteve esse grupo mais agressivo por meio de repetidos ataques com spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo lançadas manualmente, a curta distância. Contudo, a cada ação da polícia, os manifestantes recuavam para retornar em seguida com mais fúria, mesmo sendo continuamente condenados por quase todos que acompanhavam as investidas de longe.

Às 19h56, contudo, o cenário mudou drasticamente. Nesse momento, mesmo sendo atacados apenas por algumas dezenas de pessoas, os policiais localizados atrás do cordão de isolamento à esquerda do Congresso passaram a disparar bombas de gás lacrimogêneo de longo alcance. A Folha contou pelo menos 30 bombas em poucos minutos. As bombas atingiram alvos a mais de 50 metros, batendo no miolo da manifestação, onde estava quem protestava pacificamente e condenava os ataques à polícia.

O gás fez abrir grandes espaços na ala esquerda do gramado, mas provocou um efeito colateral rápido, inesperado e violento. Por volta das 20h00, uma grande massa dos manifestantes deixou o gramado em frente ao Congresso e rumou para o prédio do Itamaraty.

No gramado, a reportagem ouviu pessoas que instantes atrás estavam condenado os ataques à polícia passarem a xingar a polícia --"polícia covarde" foi o grito predominante.

O movimento dos manifestantes em direção ao Itamaraty foi de tal ordem que as forças de segurança concentradas no Congresso não conseguiram mover a tempo homens para o prédio, ao lado da sede do Legislativo federal.

Com isso, um grupo de manifestantes conseguiu invadir e vandalizar o prédio. Seis ou sete manifestantes preferiram subir na escultura "Meteoro", um dos marcos de Brasília, feita pelo artista Bruno Giorgi, morto em 1993, e instalada na frente do prédio do Itamaraty. Dezenas entraram no espelho de água.

Às 20h20, houve os primeiros sons de vidro se partindo no Itamaraty. Diversas vidraças foram destruídas, assim como uma porta de vidro nos fundos do prédio. Em seguida, um grupo tentou atear fogo na frente do palácio, com um coquetel molotov (garrafa com um combustível e fogo na ponta). Ao tentar apagar as chamas, um policial foi atacado por um manifestante com um pedaço de metal, como mostraram imagens da Rede Globo. Foi o momento de mais tensão da noite.

Centenas de pessoas tomaram a ponte que dá acesso à entrada do palácio. Para contê-los, a PM disparou repetidamente bombas de efeito moral, de gás lacrimogêneo e sprays de pimenta. Isso dispersou a multidão, que por ao menos 30 minutos gritou ordens de invasão.

Mal o enfrentamento no Itamaraty foi contornado, outro grupo de manifestantes que também havia sido expulso do gramado saiu caminhando até o prédio do Banco Central, pelo eixo rodoviário, a principal via de trânsito de Brasília. A sede foi apedrejada.

Aparentemente o grupo tentou bloquear o trânsito, mas não conseguiu e destinou sua raiva ao BC. Dispersa, a multidão vagou pela Esplanada, criando diversas fogueiras com os cartazes e faixas que portavam e pichando alguns ministérios, como o da Saúde.

Por volta das 22h30, menos da metade das dezenas de milhares de pessoas que estavam no final da tarde à frente do Congresso continuava no gramado.

Nesse momento, a Polícia Militar voltou a disparar bombas de gás lacrimogêneo contra a multidão que protestava de forma pacífica na frente do Congresso. Ainda havia pessoas protestando em frente ao cordão de isolamento, mas não com a mesma intensidade de antes.

Essas bombas foram lançadas por um soldado do Batalhão de Choque que estava a poucos metros da Folha. Cerca de dez manifestantes, ao perceberem a origem das bombas, tentaram chegar ao soldado, mas foram contidos pelo cordão de isolamento. Eles xingaram o soldado de "covarde" diversas vezes. Alguns indagaram "cadê a Globo", pois queriam que o ato do soldado fosse documentado.

No momento dessas bombas, não havia nenhum helicóptero de TVs ou da polícia sobrevoando o gramado. Cerca de 20 bombas de gás foram lançadas sobre a multidão. O resultado foi quase imediato. A multidão começou a se dispersar, o que levou ao fim do protesto, por volta das 23h00. Antes de ir embora, contudo, diversos manifestantes gritaram para os policiais que "amanhã a gente volta".

Na correria para fugir dessas bombas, o estudante do ensino médio da cidade satélite de Ceilândia, Romeu da Silva Amâncio, 18, caiu e torceu a perna. "A polícia chegou atirando e soltando as bombas, não deu tempo para nada", disse Romeu.

O balanço do governo indicou cerca de 50 manifestantes feridos, mas nenhum estava mais em risco de morte no final da noite. O caso mais grave era um rapaz de cerca de 25 anos que foi atingido por um objeto logo abaixo do olho direito. Sua visão está comprometida, mas os médicos não sabem ainda se ele corre risco de perder a visão. (BRENO COSTA, FILIPE COUTINHO, FERNANDA ODILLA, FERNANDO MELLO, FLÁVIA FOREQUE, JOÃO CARLOS MAGALHÃES, JOHANNA NUBLAT, JULIA BORBA, MATHEUS LEITÃO, RENATA AGOSTINI, RUBENS VALENTE, MÁRCIO FALCÃO E GABRIELA GUERREIRO)


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