Folha de S. Paulo


Com câmera e som, 'ninja' Filipe Peçanha transmite e participa de protestos

Jorge Pontual, correspondente da Globo em Nova York, tuitou na madrugada que, "se a bateria do Ninja não morrer, eu não durmo esta noite". Referia-se à transmissão das manifestações de São Paulo feita pelo grupo de mídia N.I.N.J.A (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), mais precisamente, pelo ninja Filipe Peçanha, 24, que cobria e participava dos acontecimentos. Não é uma cobertura apartada, mas "intrínseca ao movimento", diz ele, em depoimento que deu ao ser acordado pela Folha, às 8h. Ele havia dormido às 5h. No final do telefonema, avisa estar de saída para o M'Boi Mirim e deixa o link postv.org, para quem quiser assistir em streaming.

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A gente estava na Sé desde umas quatro e pouco, com o carrinho alegórico da PósTV. É a estrutura de um carrinho de supermercado, rosa-choque, em que a gente coloca duas caixas de som, um microfone aberto e faz uma intervenção estética com todo o processo, além de entrar ao vivo. Tem uma câmera e um computador, que tanto transmite como faz a intervenção pelo áudio.

Num primeiro momento, a gente não conseguiu transmissão, porque faz via 3G e tem uma dificuldade que é a aglomeração de pessoas, quando os celulares tendem a não funcionar. Nas outras manifestações também foi assim. A gente conseguiu entrar mais à noite, pelo número menor de pessoas na avenida Paulista, pela localização também, com frequência melhor do que na Sé.

A mídia N.I.N.J.A faz essa cobertura desde a primeira manifestação, integrada com outras cidades também. Mostra uma visão de dentro, desde quando está ainda em processo de concentração, pessoas chegando. E tem participação forte dentro da própria manifestação. O próprio carrinho da PósTV é usado para organizar. As pessoas vêm e não só dão gritos para estimular a galera, mas também orientações de percurso.

Ontem a gente acompanhou um primeiro grupo, que rodou, passou pelo parque dom Pedro, subiu de novo para a Sé. Já no período da noite teve o ocorrido na prefeitura, com o incêndio do carro da Record, isolamento da área. A gente foi cobrir, eu e o Rafael Vilela. Lá, depois de acompanhar a ação da Tropa de Choque, a gente ficou sabendo que os manifestantes iriam para a Paulista e foi nessa pegada.

Reprodução/Facebook/midiaNinja
Ninjas gravam protesto em SP; manifestantes danificam painel da Coca-Cola, na esquina da Paulista com a Consolação
Ninjas gravam protesto em SP; manifestantes danificam painel da Coca-Cola, na esquina da Paulista com a Consolação

Chegando na Paulista a gente ouviu que havia alguma coisa na Augusta e foi a hora em que consegui entrar ao vivo, com um sinal. O streaming começou creio que umas dez, onze da noite. Consegui ligar no caminho para a Augusta. Aí a gente foi, estávamos eu e a Karen Pimenta nesse momento, o chipe de celular era dela.

Na Augusta, as pessoas foram entrando e a coisa foi crescendo muito rápido. Um pessoal falou, "está lá para baixo, tem bomba, a Choque está subindo". Deu para sentir que a cada passo que dava, que me aproximava da linha de frente, dava para sentir toda a tensão. Pelo Twitter você vê os comentários, que vão citando a transmissão, uma cachoeira de pessoas ora apoiando os manifestantes, ora contrários ao vandalismo que estavam fazendo.

Eu tentei, de uma maneira intrínseca ao movimento, documentar e colocar em tempo real. Todo aquele processo por que as pessoas passam acaba passando também. As bombas que explodiam do nosso lado. O meu celular trincou, caiu no chão quando a bomba explodiu do meu lado. Ali na rua Augusta foi um momento delicado, logo de cara, mas depois a Choque recuou e os manifestantes conseguiram avançar.

A Choque ficou contida numa rua, Fernando de Albuquerque, a quatro quadras da Paulista, paralela. O Choque ficou ali, e os manifestantes em tom de indecisão. Alguns queriam avançar, continuar descendo a Augusta, outros queriam voltar para a Paulista, outros queriam ficar parados. Eles fazem um cordão pela paz, uma cena muito bonita, em frente ao Choque, e de mãos dadas cantam o Hino Nacional.

Depois desse momento, começou a rolar uma pequena dispersão, por parte do movimento, e eu resolvo subir. Chegando à Paulista, eu me junto a uma outra frente, que vai em direção à Consolação. Lá na frente, depois de ter tirado as barreiras e ter feito um pequeno alvoroço com o segurança, a manifestação toma conta do monumento da Fifa e da Coca-Cola, na Consolação com a Paulista.

Começa o ato contra a Coca. A primeira leva de policiais vem correndo com cassetetes para cima dos manifestantes, fica um batalhão do Choque perto do painel, meio que isola a área. Eu falo com um rapaz que foi agredido que ficou por ali mesmo. A polícia havia dado umas cacetadas nele, na perna, no tronco. No fim eu voltou e mostro um pouco do que acontece ali pela região da Paulista.

A gente sai do ar no fim de tudo, quando a coisa já está num clima mais tranquilo, as pessoas já dispersas. A própria manifestação se esvai e aí eu me despeço de todo mundo, agradeço a participação. A gente teve uma média de 18, 19 mil, com pico de 21, 22 mil pessoas assistindo. É um fluxo, não tem um número fixo, então eu estimo que 100 mil chegaram a passar, abrir, ver um pouco da transmissão.

Eu tenho de sair. A periferia está em protesto hoje. A gente está indo para M'Boi Mirim. Vou ver se a gente entra de lá. Vamos ver como está situação do sinal, lá.


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