Folha de S. Paulo


Serviço de aborto legal no Brasil está jogado 'às traças', diz ministra

Os serviços de aborto legal no Brasil "estão absolutamente jogados às traças".

A avaliação é da ministra Eleonora Menicucci (Secretaria de Políticas para as Mulheres) e está registrada na ata da reunião de dezembro do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.

Na ocasião, ela destacou como prioridades da sua pasta, na área de saúde, a redução da morte materna, a prevenção do câncer e "a situação dos serviços de aborto legal, que estão absolutamente jogados às traças".

Procurada, a ministra indicou os problemas. "Estudos e pesquisas apontam para um desvio de rota dos serviços que atendem as mulheres vítimas de violência sexual", disse, em nota.

Isso decorre, afirma, da centralização do atendimento e da falta de equipes multiprofissionais para prestar o atendimento ginecológico e psicossocial adequado.
centralização

Como exemplo, a ministra diz que, na cidade de São Paulo, "há uma centralização que leva a que as mulheres estupradas que fazem o boletim de ocorrência numa delegacia sejam encaminhadas todas ao hospital Pérola Byington, complicando muito o acesso das vítimas".

Segundo a Secretaria de Estado da Saúde, responsável pelo Pérola Byington, a ministra está "equivocada" (leia texto ao lado).

Oficialmente, há 66 serviços de atenção ao aborto autorizado no país -para estupro, risco de vida à mãe ou anencefalia do feto. O número cresceu 10% nos últimos três anos, diz o Ministério da Saúde, que não comentou as críticas da ministra.

Especialistas veem fragilidades nos serviços de aborto legal, em geral ligados a centros que fazem o primeiro atendimento da vítima de violência sexual, o que explica a menção feita pela ministra.

Entre os problemas citados estão a falta de capacitação, dificuldade de manter equipes completas, profissionais que alegam "objeção de consciência", pressões feitas por igrejas e autoridades públicas e falta de informações ofertadas à mulher.

Debora Diniz, pesquisadora da Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero), avalia que as críticas da ministra refletem a falta de informação sobre o funcionamento dos centros.

Seu instituto elabora, financiado pela secretaria de Menicucci, um censo sobre o funcionamento dos serviços.

Inicialmente, as pesquisadoras confirmaram o funcionamento de só 45 deles. "Quando ela diz 'está às traças', eu entendo 'precisamos saber o que esta acontecendo'", diz Diniz.

Para Jolúzia Batista, assessora técnica do Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), o Ministério da Saúde tem se empenhado em fazer valer as normas técnicas, mas a qualidade do atendimento oscila muito de serviço para serviço.

'EQUIVOCADA'

A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, responsável pelo hospital Pérola Byington, afirmou que a ministra Eleonora Menicucci "está equivocada e mostra desconhecimento em relação ao atendimento prestado às vítimas de violência sexual no Estado, que, inclusive, é exemplo para todo o país".

A secretaria sustenta que a vítima de violência sexual pode receber o primeiro atendimento em qualquer hospital, e fazer o aborto legal em outros seis hospitais da capital.

Segundo funcionários do Pérola Byington ouvidos sob anonimato, o hospital sofre com o fato de ser única referência no Estado em relação à violência sexual contra a mulher. Essa particularidade faz com que pessoas do Estado inteiro sejam atendidas no hospital --não só de violência sexual.

O ideal, afirmam, era que houvesse mais descentralização do serviço, que exige, por exemplo, equipes multidisciplinares, quadro que não está disponível em qualquer unidade de saúde.


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