Folha de S. Paulo


Oito bombeiros são indiciados por incêndio na boate Kiss, no RS

Oito bombeiros foram indiciados (apontados como suspeitos) em inquérito da Brigada Militar do Rio Grande do Sul que apurou as circunstâncias do incêndio da boate Kiss, em Santa Maria. A investigação foi entregue nesta quarta-feira (12) ao comando da corporação, que vai decidir se remete o caso à Justiça Militar.

Nenhum dos bombeiros foi responsabilizado diretamente pelo incêndio ocorrido na madrugada de 27 de janeiro e que provocou a morte de 242 pessoas.

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Os investigadores militares concluíram que um capitão, dois sargentos e três soldados do Corpo de Bombeiros cometeram falhas em inspeções da casa noturna feitas até 2011. Segundo o inquérito, eles deixaram de cobrar dos responsáveis pelo estabelecimento o treinamento para situações de incêndio.

A Brigada Militar, corporação ao qual os bombeiros estão subordinados, diz que os funcionários deveriam passar por cinco horas-aula de treinos. A investigação também considerou que a inspeção não constatou irregularidades na central de gás da casa noturna.

O inquérito indiciou ainda o sargento Roberto Flávio da Silveira e Souza, que atua em Santa Maria, sob suspeita de omitir sua participação na gestão de uma empresa que faz planos de prevenção de incêndio. Essa empresa chegou a prestar um serviço na boate Kiss, mas, segundo a brigada (a PM gaúcha), não há uma relação direta com a tragédia.

O tenente-coronel Moisés da Silva Fuchs, que foi afastado do cargo de comandante regional em março, também foi indiciado. Segundo a investigação, ele deixou de tomar providências sobre a situação do sargento Roberto.

DIVERGÊNCIA

As conclusões da investigação militar têm grandes divergências com o inquérito finalizado pela Polícia Civil em março deste ano. A polícia apontou indícios de responsabilidade de 12 bombeiros, sendo 9 por erros durante o resgate. Para os policiais, a equipe falhou ao não evitar a entrada de civis no prédio em chamas. A apuração da Brigada isentou todos os profissionais dessa suspeita.

O inquérito da polícia também havia apontado como suspeito de homicídio culposo (sem intenção) o tenente-coronel Fuchs e o capitão Alex da Rocha Camillo. A investigação da Brigada também os isentou dessa suspeita, mas Camillo acabou indiciado sob suspeita de falhas nas inspeções na casa noturna.

Dois soldados dos bombeiros que haviam sido indiciados pela Polícia Civil sob suspeita de homicídio doloso (quando há intenção de matar ou quando se assume o risco) acabaram responsabilizados na apuração militar também por falhas na inspeção: Gilson Martins Dias e Vagner Guimarães Coelho.

O sargento Renan Severo Berleze, que já responde na Justiça comum por suspeita de adulterar documentos da casa noturna, foi responsabilizado na investigação militar por falhas nas vistorias.

A Polícia Civil havia concluído que a instalação dentro da boate de guarda-corpos, que prejudicaram a evacuação do local, tinha sido feita em 2011, antes da última inspeção dos bombeiros na casa. A apuração militar considerou que essa estrutura só foi fixada após a última vistoria da corporação no estabelecimento.

PENAS

Os oito bombeiros continuam trabalhando normalmente, mas podem perder suas funções em um processo. A pena prevista para a "inobservância de lei ou instrução", irregularidade atribuída aos seis que fiscalizaram a boate, vai de três meses a um ano de detenção.

A investigação militar revelou que a boate estava em 541º lugar em uma fila de estabelecimentos de Santa Maria que precisariam ser visitados para a renovação da licença dos bombeiros. Só seis profissionais faziam essas inspeções na cidade.

"Essa questão fica restrita às limitações de efetivo que existem em todo o serviço público", disse o major Emílio Barbosa, que participou da investigação.

A Folha procurou a regional de Santa Maria da corporação, mas nenhum dos envolvidos foi localizado para comentar o assunto. Bombeiros da unidade disseram que o capitão Camillo e o tenente-coronel Fuchs estão de licença médica.

Procurado pela reportagem, o presidente da Associação de Oficiais da Brigada, José Carlos Riccardi Guimarães, disse que a investigação militar responsabiliza indevidamente os bombeiros e que existe uma "caça às bruxas". Para ele, há uma tentativa de desviar o foco de autoridades estaduais e de omitir a falta de investimentos públicos no Corpo de Bombeiros.

Para Guimarães, o tenente-coronel Fuchs e o capitão Camillo não tiveram responsabilidade na tragédia.


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