Folha de S. Paulo


Homem põe fogo em casa e carros na Vila Mariana, em SP; veja vídeo

Dentro de um sobrado de classe média na Vila Mariana (zona sul de São Paulo) dormem a médica Juliana Carvalho Nery, 33, e seu irmão Flávio Carvalho Nery, 39, professor da USP (Universidade de São Paulo). Na garagem, um Corsa e um C3, comprado há menos de seis meses. Já são 4h30 da quinta-feira (23). A via, filmada pelo prédio vizinho à casa, está deserta.

A tranquilidade é quebrada abruptamente pela passagem de um ciclista, que estaciona a bike, agacha-se na frente da casa e joga um produto no chão. De repente, saca um isqueiro do bolso e ateia fogo no Corsa de Flávio.

Análise: Sensação de impunidade é um dos motores da criminalidade

Um vídeo, obtido com exclusividade pela Folha mostra a ação a partir de câmeras de segurança de um prédio comercial vizinho à casa.

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As chamas se espalham. Consomem também o C3 de Juliana, invadem a casa e, por pouco, não matam os irmãos. Assim como chegou, o ciclista foi embora: pedalando sua bicicleta, sem ser percebido.

"Foi um terror. Eu acordei gritando, com barulho de explosões e um forte cheiro de borracha queimada. Quando abri a janela, vi que os carros estavam pegando fogo. Tentamos jogar água, mas a mangueira não chegava até a garagem e a maçaneta da porta estava muito quente para usar baldes".

Logo em seguida, a médica vê os vidros da janela estourarem com o forte calor. Ela liga várias vezes para os bombeiros e pede urgência no atendimento, quando é informada novamente que uma equipe está caminho.

"Eu fiquei boba com o atraso dos bombeiros, porque o quartel fica muito perto. Quando minha sobrinha ligou para eles, um dos atendentes foi ríspido com ela e disse: já está avisado, está avisado...", disse a vizinha que chegou a ir a pé ao quartel, que fica a cerca de 700 metros do local do incêndio, para apurar o motivo da demora. Ela pediu para não ser identificada.

Desesperados, os irmãos tentam entrar novamente na casa para questionar mais uma vez o Corpo de Bombeiros sobre a demora, mas veem as luzes da casa se apagarem devido a um curto circuito e os cômodos serem tomados pela fumaça tóxica. "Nós só conseguimos sair quando um policial militar apareceu na casa vizinha e nos puxou pelos braços depois que a gente subiu até o último degrau da nossa escada", afirmou Juliana.

Os registros do Corpo de bombeiros mostram que a ocorrência foi iniciada às 4h59 e o fogo extinto às 5h19.

Os pais, que voltaram no mesmo dia da viagem que faziam ao Rio de janeiro, têm a casa há 37 anos, e não desconfiam de quem seja criminoso. "Não temos inimigos nem de quem suspeitar. Só sabemos que não voltamos para casa, estamos com medo daqui", disse a professora Araci Carvalho Nery três dias após o crime enquanto o marido, Gilson Nery, carregava o carro com caixas de documentos e fotos que não foram atingidas pelas chamas.

Após o crime, o vizinho ao lado, que antes tinha a garagem dividida com a dos vizinhos --que tiveram a casa incendiada-- apenas por uma pequena mureta e uma grade, construiu um muro de alvenaria, com medo de novos ataques.

PREJUÍZO

O prejuízo ainda não foi calculado, mas, ao contrário dos carros, que têm seguro, a família perdeu boa parte do que havia no interior da casa. Como não bastasse, até o portão de alumínio foi levado na primeira noite após o incêndio. "Tudo derreteu, nossos relógios, televisores, frascos, lustres. A única coisa que ainda funciona é o meu tablet", disse Juliana.

Mesmo com poucos recursos, a família quer encontrar o suspeito de ter cometido o crime e faz a investigação por conta própria. Eles buscam por câmeras de segurança na região que possam ter registrado imagens mais nítidas do criminoso.

A família disse ter visto policiais no local do crime apenas no dia em que ocorreu o incêndio. "Depois disso, fomos orientados a ir atrás dos vídeos. Passamos pelos locais por onde o criminoso possa ter passado para pedir imagens e entregá-las na delegacia para ajudar a investigação. Para isso, pegamos o B.O. e vamos de porta em porta pedindo", disse a Araci.

SUSPEITOS

Antes do incêndio, a casa só havia sido assaltada em 1982, quando a família saiu para uma viagem. O único fato que desviou a tranquila rotina da família nos últimos tempos foi uma denúncia que Flávio fez a um motorista de uma empresa de ônibus de turismo, após ser fechado no trânsito.

A empresa disse que o funcionário foi punido e as medidas necessárias para puni-lo foram tomadas. Entretanto, Flávio disse que não passou nenhuma informação que pudesse identificar onde fica a casa dele e ser identificado.

Um chaveiro disse que o filho dele conhece um homem que assumiu a autoria do crime. Juliana disse que a polícia prometeu investigar a história, mas não deu nenhum retorno.

O guarda que faz a vigia da rua, contratado por moradores, disse ter ido embora às 4h, cerca de 30 minutos antes do crime. Outro que faz a segurança de uma construção próximo à casa disse que não viu ninguém, mas também acionou os bombeiros ao avistar as chamas.

Hoje, Juliana, o irmão e os pais, que morava em um sobrado de 140 metros quadrados, dividem o apartamento de 40 metros quadrados, com apenas um quarto e um banheiro com o outro irmão por tempo indeterminado.

O delegado titular do 16º DP (Vila Clementino), Calixto Calil Filho, disse que investigadores buscam por imagens de câmeras de segurança e ouvem testemunhas. Ele afirmou ainda que aguarda o resultado do laudo da perícia e que ninguém falou sobre suspeitos à equipe de investigação.


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