Folha de S. Paulo


Salvador associa cachaça a morador de rua e quer vetar consumo

A Prefeitura de Salvador quer proibir o consumo de cachaça nas ruas da cidade. O objetivo, segundo a proposta, é "cortar o acesso" de moradores de rua à bebida.

"Eles [moradores de rua] passam o dia com cachaça numa garrafa de plástico de dois litros, perambulando, assustando as pessoas, dormindo em pleno passeio", diz Maurício Trindade, secretário de Promoção Social e Combate à Pobreza da capital. Ele é o autor do projeto, que foi apresentado ao prefeito ACM Neto (DEM) e que deverá ser encaminhado à Câmara Municipal.

O foco é a cachaça, segundo o secretário, porque a outra bebida que entraria na lista --acima de 35 graus de teor alcóolico -- seria o uísque. "Mas você não vê ninguém tomando uísque em praça pública", diz. A cerveja, por exemplo, possui em torno de quatro graus, enquanto o vinho, cerca de 15.

Para Trindade, a Guarda Municipal tem condições de fazer a fiscalização. "Ela possui poder de polícia e poderá avaliar se é um café, um refrigerante, um vinho. Se for branco, ou é água ou é cachaça", afirma o secretário, que também lidera uma campanha contra a doação de esmolas em Salvador.

Sobre o novo projeto, que não inclui veto ao consumo de outras bebidas na rua, a ideia é criar um "amparo legal" e que a cachaça seja apreendida --ainda não há definição sobre punições aos infratores.

Na última sexta-feira (17), o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro divulgou um estudo que apontou o uso de bebidas por somente 35% dos moradores de rua da capital do Rio.

Questionado se ele não estaria alimentando um mito, Trindade disse: "Só quem é contra é porque não conhece o projeto ou porque defende o sexo, a droga e a bagunça nos logradouros públicos. Quem defende a família, a igreja, está apoiando essa ideia".

"Hoje, a população em situação de rua em Salvador é de 3.500 pessoas, e a maioria consome cachaça em lugares públicos", diz o secretário, que afirma ter promovido um mapeamento sobre o tema.

Ele diz que a proposta foi motivada também por reclamações de moradores dos bairros onde há abordagens sociais para tentar convencer os moradores de rua a aceitar abrigo oferecido pela prefeitura.

Trindade foi alvo de brincadeiras nas redes sociais na semana passada após declarar, em uma rádio, que os moradores de rua passariam a usar álcool dentro de casa devido à medida. "Se tirar objeto do consumo uma, duas, três, quatro vezes, ele vai passar a usar em casa, mas não na rua", disse na ocasião.

Procurada, a Associação dos Produtores de Cachaça da Bahia informou não acreditar que o projeto seja convertido em lei.

ACM Neto não foi localizado para comentar o tema.

No último dia 24, a Câmara Municipal de Salvador aprovou projeto de lei que proíbe a atividade dos guardadores de carros, também conhecidos como flanelinhas. Pelo texto, quem for flagrado sem o devido cadastramento poderá ficar preso de 15 dias a três meses, além de ter de pagar multa por contravenção penal (exercício de profissão sem respeitar a lei). (NELSON BARROS NETO)


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