Folha de S. Paulo


Análise: CNJ faz cumprir decisão superior ao cobrar cartórios

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) passou dos limites ao dar ordem aos cartórios para registrar casamento de pessoas do mesmo sexo?

Em maio de 2011, o STF (Supremo Tribunal Federal) afirmou que a Constituição proíbe discriminar casais gays para efeitos de união estável. Poucas semanas depois, vários juízes decidiram que, se a Constituição garante a conversão da união estável em casamento, não se poderia negar essa mesma possibilidade a casais gays.

Decisão incentiva casais gays a entrarem em ritmo de casório
CNJ obriga cartórios de todo o país a celebrar casamento entre gays

Em outubro daquele ano, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) afirmou que a discriminação para efeitos do casamento é ilegal. Ontem, o CNJ obrigou os cartórios a cumprir o que entende serem as decisões do STJ e do STF.

O CNJ tem por função supervisionar a administração da Justiça. Não pode determinar o significado da Constituição. Suas decisões são administrativas, não judiciais. Não pode criar obrigações ou direitos que já não se encontrem previstos em lei ou em decisões judiciais --no caso, dos tribunais superiores.

É verdade que ação levada ao STF não falava em casamento. Mas uma decisão judicial com frequência resolve mais do que o problema que os juízes têm diante de si.

Tudo depende das razões que usam para decidir, isto é, de como decidem. E como decidiram os ministros? Como interpretaram a Constituição?

A ementa (resumo da decisão aprovado por todos os ministros) afirma o reconhecimento da união estável homoafetiva com "as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva". Juridicamente, elas são iguais.

Três ministros --Mendes, Lewandowski e Peluso-- discordaram dessa interpretação ampla. Mas perderam.

A decisão unânime do Supremo em 2011 escondia importantes diferenças de argumentação entre os ministros. Essas divergências, porém, não impediram a formação de um entendimento majoritário: qualquer união estável, homoafetiva ou heterossexual, tem igual tratamento. Incluindo a conversão no casamento.

Usando essa interpretação que venceu no Supremo, o STJ reconheceu diretamente o casamento homossexual.

A partir daí, cabia aos cartórios cumprir a lei conforme os tribunais superiores a entenderam. Esses tribunais podem até mudar de posição. Mas o CNJ não inovou.

DIEGO WERNECK ARGUELHES e IVAR A. HARTMANN são professores da FGV Direito Rio


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