Folha de S. Paulo


Promotor encerra fala e levanta suspeita sobre armas apreendidas por PMs

O promotor Fernando Pereira da Silva encerrou sua fala no começo da tarde deste sábado levantando suspeita sobre as armas apreendidas pelos PMs, ao dizer que a polícia planta armas de fogo em cenas de crimes. No final do discurso, Pereira falou de casos em que isso foi constatado.

A intenção é mostrar que era hábito da corporação plantar armas e indicar que o mesmo foi feito na ação da polícia no Carandiru, quando foram supostamente encontradas 13 armas com os presos, afirmou.

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"Não me venha dizer que não é hábito dos maus policiais plantar armas para ajustar a cena do crime", disse. "Eles plantaram 13 armas para justificar um massacre. Não tenho restrição à polícia, não é a polícia que está no banco dos réus", disse o promotor.

"Chegou a hora de mudarmos este país. A gente tem que acreditar que as coisas vão mudar, que a gente pode mudar o futuro dos nosso filhos. Esse é um caso histórico, o que sair daqui vai repercutir internacionalmente", finalizou Pereira.

Durante o seu discurso, o promotor Fernando Pereira da Silva pediu a absolvição de três policiais militares. Segundo Pereira, os réus Eduardo Espósito e Maurício Marchese Rodrigues não participaram da ação e não eram da Rota (tropa de elite da corporação), e sim do Canil.

O promotor destacou que eles não entraram nos corredores do segundo pavimento do pavilhão 9 e, por isso, não tiveram participação nas 13 mortes que ocorreram no local. "Eles ficaram nas escadas, dando proteção à tropa. A ação de ambos não ocorreu no interior daquele pavimento".

Pereira também pediu a absolvição do policial militar Roberto Alberto da Silva desse processo e que ele fosse julgado posteriormente no bloco que agrega PMs que atuaram no terceiro pavimento. O motivo: os policiais julgados durante essa semana são os que invadiram o segundo pavimento e Silva participou da invasão no terceiro pavimento.

JULGAMENTO

Na sexta-feira (19), foram ouvidos os dois oficiais responsáveis pela ocupação do segundo pavimento do pavilhão 9, o então capitão Ronaldo Ribeiro dos Santos (hoje tenente coronel da reserva) e o então tenente Aércio Dornellas Santos (hoje major da reserva).

Ambos afirmaram que, como comandantes da Rota, receberam ordens para ocupar o andar. Cada um deles foi responsável pela invasão de um lado do corredor. Ronaldo, do lado direito. Dornelles, do esquerdo.

Além de Dornellas, foram ouvidos também o então sargento Marcos Antônio de Medeiros, que, durante a ação, portava uma metralhadora. Ele disse que atirou três ou quatro vezes e que não usou a arma no sistema de rajadas. Nos primeiros dias, as testemunhas de acusação disseram ouviram rajadas de metralhadoras durante a invasão.

O soldado Marcos Ricardo Polionato, que agora trabalha no Corpo de Bombeiros, também depôs e disse que, na ação, foi ferido de raspão por uma bala. Sua versão foi contraditória com o depoimento que deu na fase de inquérito. Na época, ele disse que tinha visto 10 a 15 corpos de presos. Hoje, ele afirmou que viu oito.

Já o Ronaldo Ribeiro dos Santos afirmou que "não houve condições de usar armas não letais. Não existia balas de borracha". Ele completou ainda: "Nós entramos, reagimos e dominamos".

Na terça-feira (16), foram ouvidas seis testemunhas de defesa.Entre elas estava o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho, que afirmou durante os 40 minutos de depoimento que "a ordem para a entrada [no presídio do Carandiru] foi absolutamente necessária e legítima, apesar de não ter ordenado a invasão.

Além de Fleury, foi ouvido também o ex-secretário de segurança de São Paulo Pedro Franco de Campos. Ele afirmou que "a necessidade de entrada da Polícia Militar na Casa de Detenção era absolutamente incontestável.

Campos disse que foi informado pelo coronel Ubiratan Guimarães de que era necessário invadir o pavilhão 9 do Complexo do Carandiru devido à rebelião que acontecia no local. Segundo ele, as autoridades temiam que o confronto entre presos se estendesse também para o pavilhão 8. "Havendo necessidade, o senhor está autorizado a entrar", disse ele ao coronel que comandou a invasão.

Foi ouvida ainda a juíza Sueli Zeraik Armani, convocada pela defesa para falar de rebeliões em presídios do Estado. O depoimento durou cerca de dez minutos.

Mais cedo foi ouvido o desembargador Luiz Augusto San Juan França, que afirmou ter havido confronto entre presos e policiais no dia da invasão. A afirmação contradiz as testemunhas ouvidas na segunda, que afirmavam ter havia agressão por parte dos PMs. "Na nossa sindicância, sei que havia policiais feridos, mas não me recordo se por arma de fogo", afirmou ele.

Já tinha sido ouvido ainda o desembargador Fernando Antonio Torres, juiz da Corregedoria dos presídios na época do massacre. Ele também voltou a dizer que houve ataque dos presos contra os PMs, mas destacou que houve excesso na ação da Polícia Militar durante a invasão do local.

Um dos juízes que participaram das reuniões que autorizaram a entrada da tropa, hoje o desembargador Ivo de Almeida, disse que não viu nenhum preso sendo executado pelos PMs durante o massacre de 1992, como afirmou na segunda-feira (15) o ex-diretor do Carandiru Moacir dos Santos.

Almeida afirmou ainda que a entrada da PM foi necessária porque a unidade estava fora de controle. "Nossa preocupação era manter a integridade física deles. Poderia haver uma carnificina lá dentro", disse.

Editoria de Arte/Folhapress
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No primeiro dia de júri, ocorrido na segunda-feira (15), foram ouvidas as cinco pessoas arroladas pela acusação. O último foi o perito criminal Osvaldo Negrini Neto que afirmou ter sido impedido de entrar na penitenciária após o crime e que quando conseguiu viu que a cena já tinha sido modificada.

"Ficou claro para mim que não queriam que fosse feita a perícia. O local foi lavado, as celas já estavam reorganizadas. A única coisa que não conseguiram mudar foram os indícios de marcas de bala nas paredes das celas", disse o perito que apontou não haver evidência de que presos tenham atirado contra policiais.

Antes de Negrini Neto, foi ouvido o agente penitenciário Moacir dos Santos. Ele definiu o episódio como uma execução e disse ainda que mesmo após o Massacre, presos que já estavam no pátio, rendidos, nus, foram levados pela polícia de volta para o prédio para retirar corpos de mortos e acabaram fuzilados.

Antes dele, foram ouvido ainda três ex-detentos do Carandiru. Luiz Alexandre de Freitas disse ter sobrevivido porque se escondeu sob corpos. "Escondi debaixo dos mortos para não morrer também",

Outra testemunha foi Marco Antônio de Moura, que afirmou que policiais atiraram em direção à cadeia de dentro de um helicóptero. "Tinha presos que estavam no telhado, tentando fugir. Todos foram atingidos por essas balas e morreram".

Foi ouvido ainda o ex-detento, Antônio Carlos Dias, que disse acreditar que o número de mortos no massacre foi ao menos o dobro dos 111 divulgados oficialmente. "Só os corpos que vi saindo do segundo andar eram mais de cem pessoas. Esses 111 eram as pessoas que tinham família, que recebiam visitas", disse.

O debate da acusação terminou por volta das 12h50. O juiz José Augusto Nardy Marzadão determinou intervalo de uma hora para almoço. Após o intervalo, será a vez da defesa de se pronunciar. A advogada de defesa Ieda de Souza terá 3 horas para realizar seu discurso.

O promotor Fernando Pereira da Silva já confirmou que vai pedir réplica, que deve durar cerca de 2 horas. De acordo o Tribunal de Justiça, após o debate, os jurados deverão decidir se os policiais serão condenados ou não pelo massacre. A decisão pode ser divulgada na madrugada de domingo.

Os debates entre a promotoria e a defesa dos 26 PMs envolvidos no Massacre do Carandiru, que resultou na morte de 111 presidiários, em 1992, começaram na manhã deste sábado no Fórum da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo.


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