Folha de S. Paulo


PM diz ter visto 'clarões com estampidos' saírem de celas

O PM Ronaldo Ribeiro dos Santos, acusado de participar do episódio conhecido como Massacre do Carandiru, disse em interrogatório no Fórum da Barra Funda (zona oeste de São Paulo), nesta sexta-feira, que ouviu estampidos e clarões vindos de dentro das celas no momento da entrada da polícia no presídio.

Maioria dos PMs fica em silêncio durante julgamento do Carandiru

Aposentado há oito anos, Santos era capitão da Rota em 1992. Ele fazia parte da equipe que invadiu o primeiro andar, no segundo pavimento do Pavilhão 9, local onde morreram 15 presos.

"Vi clarões com estampidos. Pelo nosso treinamento, a gente entende que eram disparos vindos dos presos", respondeu Santos a uma pergunta feita por um jurado.

O PM disse que não se feriu, mas afirma que soube que três companheiros foram atingidos por balas.

No interrogatório, o policial disse que entrou no presídio armado com um revólver. Ele confessou ter atirado três vezes na ação, mas que não usou a metralhadora. "Atirei 3 vezes, mas não sei se atingi alguém. Nesse momento, a minha preocupação era minha tropa. Vi os clarões, não vi direito se eram armas [de fogo], mas creio que sim".

Ele disse, também, que não viu agressões de policiais a presos logo após a invasão. Em depoimento ainda nesta semana, ex-detentos do Carandiru disseram que apanharam depois de saírem da celas e foram mordidos por cães.

O julgamento do caso Carandiru recomeçou por volta das 12h. Dos 24 PMs presentes na sessão, 20 preferiram permanecer em silêncio durante o interrogatório, por orientação da advogada de defesa Ieda de Souza.

O promotor Marcio Friggi chegou a implorar ao policial Wlandekis Antônio Cândido Silva: "Pelo amor de Deus, me explica o que ocorreu". O PM respondeu: "Vou permanecer em silêncio".

A advogada dos réus pediu, então, para que o promotor não "enfatizasse" seus sentimentos durante o interrogatório.

JURADO

Na quarta-feira (17), o julgamento foi interrompido após um dos sete jurados passar mal e só voltou às 15h de ontem. O Tribunal de Justiça não revelou qual problema de saúde tinha o jurado, mas o intervalo no júri foi necessário, segundo o TJ, para que ele se recuperasse.

O Tribunal de Justiça chegou a levantar a hipótese do julgamento ser cancelado. O jurado, então, passou por uma avaliação médica e foi liberado.

OUTROS DIAS

Foram ouvidas seis testemunhas de defesa na terça-feira (16). Entre elas estava o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho, que afirmou durante os 40 minutos de depoimento que "a ordem para a entrada [no presídio do Carandiru] foi absolutamente necessária e legítima, apesar de não ter ordenado a invasão.

Além de Fleury, foi ouvido também o ex-secretário de segurança de São Paulo Pedro Franco de Campos. Ele afirmou que "a necessidade de entrada da Polícia Militar na Casa de Detenção era absolutamente incontestável.

Campos disse que foi informado pelo coronel Ubiratan Guimarães de que era necessário invadir o pavilhão 9 do Complexo do Carandiru devido à rebelião que acontecia no local. Segundo ele, as autoridades temiam que o confronto entre presos se estendesse também para o pavilhão 8. "Havendo necessidade, o senhor está autorizado a entrar", disse ele ao coronel que comandou a invasão.

Foi ouvida ainda a juíza Sueli Zeraik Armani, convocada pela defesa para falar de rebeliões em presídios do Estado. O depoimento durou cerca de dez minutos.

Mais cedo foi ouvido o desembargador Luiz Augusto San Juan França, que afirmou ter havido confronto entre presos e policiais no dia da invasão. A afirmação contradiz as testemunhas ouvidas na segunda, que afirmavam ter havia agressão por parte dos PMs. "Na nossa sindicância, sei que havia policiais feridos, mas não me recordo se por arma de fogo", afirmou ele.

Já tinha sido ouvido ainda o desembargador Fernando Antonio Torres, juiz da Corregedoria dos presídios na época do massacre. Ele também voltou a dizer que houve ataque dos presos contra os PMs, mas destacou que houve excesso na ação da Polícia Militar durante a invasão do local.

Um dos juízes que participaram das reuniões que autorizaram a entrada da tropa, hoje o desembargador Ivo de Almeida, disse que não viu nenhum preso sendo executado pelos PMs durante o massacre de 1992, como afirmou na segunda-feira (15) o ex-diretor do Carandiru Moacir dos Santos.

Almeida afirmou ainda que a entrada da PM foi necessária porque a unidade estava fora de controle. "Nossa preocupação era manter a integridade física deles. Poderia haver uma carnificina lá dentro", disse.

Editoria de Arte/Folhapress
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No primeiro dia de júri, ocorrido na segunda-feira (15), foram ouvidas as cinco pessoas arroladas pela acusação. O último foi o perito criminal Osvaldo Negrini Neto que afirmou ter sido impedido de entrar na penitenciária após o crime e que quando conseguiu viu que a cena já tinha sido modificada.

"Ficou claro para mim que não queriam que fosse feita a perícia. O local foi lavado, as celas já estavam reorganizadas. A única coisa que não conseguiram mudar foram os indícios de marcas de bala nas paredes das celas", disse o perito que apontou não haver evidência de que presos tenham atirado contra policiais.

Antes de Negrini Neto, foi ouvido o agente penitenciário Moacir dos Santos. Ele definiu o episódio como uma execução e disse ainda que mesmo após o Massacre, presos que já estavam no pátio, rendidos, nus, foram levados pela polícia de volta para o prédio para retirar corpos de mortos e acabaram fuzilados.

Antes dele, foram ouvido ainda três ex-detentos do Carandiru. Luiz Alexandre de Freitas disse ter sobrevivido porque se escondeu sob corpos. "Escondi debaixo dos mortos para não morrer também",

Outra testemunha foi Marco Antônio de Moura, que afirmou que policiais atiraram em direção à cadeia de dentro de um helicóptero. "Tinha presos que estavam no telhado, tentando fugir. Todos foram atingidos por essas balas e morreram".

Foi ouvido ainda o ex-detento, Antônio Carlos Dias, que disse acreditar que o número de mortos no massacre foi ao menos o dobro dos 111 divulgados oficialmente. "Só os corpos que vi saindo do segundo andar eram mais de cem pessoas. Esses 111 eram as pessoas que tinham família, que recebiam visitas", disse.


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