Folha de S. Paulo


Maioria dos PMs fica em silêncio durante julgamento do Carandiru

A maioria dos policiais militares que são julgados pelo Massacre do Carandiru, ocorrido em 1992 na zona norte de São Paulo, preferiu ficar em silêncio nesta sexta-feira (19) durante depoimento no Fórum da Barra Funda (zona oeste de SP).

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Alguns policiais alegaram que, por orientação da advogada Ieda Ribeiro de Souza, decidiram ficar em silêncio. O PM Roberto do Carmo Filho chegou a dizer que era inocente, mas se recusou a responder as perguntas da acusação.

Já o PM Ronaldo Ribeiro dos Santos, capitão da Rota, foi o primeiro a falar no plenário no início da tarde de hoje, quando o julgamento foi retomado.

No início do depoimento ele disse que a entrada do presídio foi rápida. "Creio que [durou] entre cinco e 15 minutos", contou Santos. Ele afirmou que viu vultos nos corredores da penitenciária, mas que não conseguiu identificá-los. "Pedi para voltar para as celas. Uns obedeceram; outros, não", disse.

Ele contou ainda que viu "clarões e estampidos que davam a entender que eram disparos de armas de fogo. Eu atirei três vezes em virtude dos clarões que vinham em nossa direção", disse Ronaldo. "Eu estava com um revólver e uma metralhadora. Usei o revólver, a metralhadora deixei de tiracolo", contou.

A expectativa é ouvir hoje quatro dos 26 policiais militares. O julgamento deverá seguir no final de semana com o debate entre a acusação e a defesa.

Ontem (18), a sessão recomeçou somente à tarde com a leitura das peças do processo. Depois, foram exibidos dois vídeos levados pela defesa e pela acusação.

Durante a exibição das imagens, que durou cerca de uma hora, a sessão foi interrompida por quatro vezes, uma delas durou cerca de 40 minutos. O Tribunal de Justiça não soube informar os motivos dos intervalos.

JURADO

Na quarta-feira (17), o julgamento foi interrompido após um dos sete jurados passar mal e só voltou às 15h de ontem. O Tribunal de Justiça não revelou qual problema de saúde tinha o jurado, mas o intervalo no júri foi necessário, segundo o TJ, para que ele se recuperasse.

O Tribunal de Justiça chegou a levantar a hipótese do julgamento ser cancelado. O jurado, então, passou por uma avaliação médica e foi liberado.

OUTROS DIAS

Foram ouvidas seis testemunhas de defesa na terça-feira (16). Entre elas estava o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho, que afirmou durante os 40 minutos de depoimento que "a ordem para a entrada [no presídio do Carandiru] foi absolutamente necessária e legítima, apesar de não ter ordenado a invasão.

Além de Fleury, foi ouvido também o ex-secretário de segurança de São Paulo Pedro Franco de Campos. Ele afirmou que "a necessidade de entrada da Polícia Militar na Casa de Detenção era absolutamente incontestável.

Campos disse que foi informado pelo coronel Ubiratan Guimarães de que era necessário invadir o pavilhão 9 do Complexo do Carandiru devido à rebelião que acontecia no local. Segundo ele, as autoridades temiam que o confronto entre presos se estendesse também para o pavilhão 8. "Havendo necessidade, o senhor está autorizado a entrar", disse ele ao coronel que comandou a invasão.

Foi ouvida ainda a juíza Sueli Zeraik Armani, convocada pela defesa para falar de rebeliões em presídios do Estado. O depoimento durou cerca de dez minutos.

Mais cedo foi ouvido o desembargador Luiz Augusto San Juan França, que afirmou ter havido confronto entre presos e policiais no dia da invasão. A afirmação contradiz as testemunhas ouvidas na segunda, que afirmavam ter havia agressão por parte dos PMs. "Na nossa sindicância, sei que havia policiais feridos, mas não me recordo se por arma de fogo", afirmou ele.

Já tinha sido ouvido ainda o desembargador Fernando Antonio Torres, juiz da Corregedoria dos presídios na época do massacre. Ele também voltou a dizer que houve ataque dos presos contra os PMs, mas destacou que houve excesso na ação da Polícia Militar durante a invasão do local.

Um dos juízes que participaram das reuniões que autorizaram a entrada da tropa, hoje o desembargador Ivo de Almeida, disse que não viu nenhum preso sendo executado pelos PMs durante o massacre de 1992, como afirmou na segunda-feira (15) o ex-diretor do Carandiru Moacir dos Santos.

Almeida afirmou ainda que a entrada da PM foi necessária porque a unidade estava fora de controle. "Nossa preocupação era manter a integridade física deles. Poderia haver uma carnificina lá dentro", disse.

Editoria de Arte/Folhapress
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No primeiro dia de júri, ocorrido na segunda-feira (15), foram ouvidas as cinco pessoas arroladas pela acusação. O último foi o perito criminal Osvaldo Negrini Neto que afirmou ter sido impedido de entrar na penitenciária após o crime e que quando conseguiu viu que a cena já tinha sido modificada.

"Ficou claro para mim que não queriam que fosse feita a perícia. O local foi lavado, as celas já estavam reorganizadas. A única coisa que não conseguiram mudar foram os indícios de marcas de bala nas paredes das celas", disse o perito que apontou não haver evidência de que presos tenham atirado contra policiais.

Antes de Negrini Neto, foi ouvido o agente penitenciário Moacir dos Santos. Ele definiu o episódio como uma execução e disse ainda que mesmo após o Massacre, presos que já estavam no pátio, rendidos, nus, foram levados pela polícia de volta para o prédio para retirar corpos de mortos e acabaram fuzilados.

Antes dele, foram ouvido ainda três ex-detentos do Carandiru. Luiz Alexandre de Freitas disse ter sobrevivido porque se escondeu sob corpos. "Escondi debaixo dos mortos para não morrer também",

Outra testemunha foi Marco Antônio de Moura, que afirmou que policiais atiraram em direção à cadeia de dentro de um helicóptero. "Tinha presos que estavam no telhado, tentando fugir. Todos foram atingidos por essas balas e morreram".

Foi ouvido ainda o ex-detento, Antônio Carlos Dias, que disse acreditar que o número de mortos no massacre foi ao menos o dobro dos 111 divulgados oficialmente. "Só os corpos que vi saindo do segundo andar eram mais de cem pessoas. Esses 111 eram as pessoas que tinham família, que recebiam visitas", disse.


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