Folha de S. Paulo


Advogados de sócios da boate Kiss criticam critérios do inquérito

Advogados de sócios da boate Kiss, em Santa Maria, criticaram o critério usado pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul para diferenciar as acusações contra suspeitos de envolvimento no incêndio, que matou 241 pessoas.

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O inquérito foi encerrado nesta sexta-feira com 16 indiciamentos, sendo nove por suspeita de homicídio doloso qualificado com dolo eventual --quando se assume o risco de matar. Houve ainda quatro indiciados por suspeita de homicídio culposo --sem intenção.

O advogado Jader Marques afirma que houve "covardia institucional" da Polícia Civil por atribuir a responsabilidade principal a "pessoas menores, que não têm cargos" políticos. Marques defende quatro pessoas da família sócia da boate --Elissandro Spohr, Angela Callegaro, Marlene Callegaro e Ricardo de Castro Pasche.

"Todas as pessoas que podiam atuar para evitar o resultado e não atuaram têm que ser responsabilizadas pelo mesmo tipo penal", falou.

O defensor afirma que há culpa do Ministério Público no caso. Antes do incêndio, a Promotoria questionou os ruídos gerados pela casa noturna e pediu providências dos donos.

A defesa de outro sócio da boate, Mauro Hoffmann, voltou a afirmar que ele não tinha gerência sobre "questões burocráticas" do estabelecimento e era apenas um "sócio-investidor".

Em nota, os advogados do empresário afirmaram que o inquérito tem "impropriedades de ordem técnica e lógica jurídica" que serão questionadas mais adiante. Também dizem que a manutenção da prisão de Hoffmann configura uma medida autoritária que afeta o "princípio da presunção da inocência".

A defesa de Luciano Bonilha Leão, produtor da banda Gurizada Fandangueira, afirmou que já esperava que o resultado da investigação fosse esse e disse que vai aguardar o posicionamento do Ministério Público.

Os outros indiciados não foram localizados pela reportagem.

INQUÉRITO

Apesar de apenas 16 serem indiciados, a polícia concluiu que há a responsabilidade de 28 pessoas, incluindo o prefeito Cezar Schirmer (PMDB), que não foi indiciado devido ao foro privilegiado. O inquérito será remetido ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para que seja avaliado o envolvimento do prefeito.

Entre os indiciados estão o major Gerson da Rosa Pereira e o sargento Renan Severo Berleze, dos bombeiros. Eles são suspeitos de, após a tragédia, alterar provas relativas às licenças da casa noturna. O delegado Marcelo Arigony, que comandou a investigação, considerou que houve "fraude processual".

Após a divulgações do resultado das investigações, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), afastou o comandante regional do Corpo de Bombeiros, Moisés Fuchs.

A polícia acusou ainda outros dois bombeiros de homicídio doloso (quando há intenção de matar ou se assume o risco) por terem permitido, em fiscalização, que a boate permanecesse aberta. O comando estadual do Corpo de Bombeiros ainda não se manifestou.

A investigação começou em 27 de janeiro, o dia do incêndio, e teve a sua conclusão adiada em diversas ocasiões. É possível que a polícia inicie novos inquéritos para apurar questões que acabaram de fora desta etapa. Centenas de pessoas foram ouvidas, incluindo sobreviventes, fiscais do município, o prefeito Cezar Schirmer (PMDB) e bombeiros.

A íntegra do inquérito soma 52 volumes e 13 mil páginas. Um vídeo obtido do celular de uma das vítimas mostrando o início do incêndio foi exibido na apresentação pela Polícia Civil.

Editoria de Arte/Folhapress
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INCÊNDIO

O incêndio ocorreu no dia 27 de janeiro e provocou 241 mortes. Centenas de sobreviventes ficaram feridos, incluindo cerca de 140 que precisaram ser hospitalizados.

O fogo começou por volta das 3h, quando um integrante da banda Gurizada Fandangueira, que fazia um show no local, acendeu um artefato pirotécnico. Faíscas atingiram uma espuma usada como revestimento acústico, que começou a queimar. Uma espessa fumaça preta tomou conta de todo o ambiente da casa noturna em poucos minutos, intoxicando os frequentadores.

Desde o dia seguinte à tragédia, estão presos os sócios da boate Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o vocalista da banda Marcelo Jesus dos Santos e o produtor Luciano Bonilha Leão.

O inquérito será levado ao Ministério Público, que vai analisar as provas e decidir se denuncia (acusa formalmente) os suspeitos à Justiça. (FELIPE BÄCHTOLD)

Veja a lista de indiciados:

Indiciados sob suspeita de homicídio doloso qualificado:

- Marcelo de Jesus dos Santos - vocalista da banda Gurizada Fandangueira
- Luciano Augusto Bonilha Leão - produtor
- Elissandro Callegaro Spohr (Kiko) - sócio da boate Kiss
- Mauro Londero Hoffman - sócio da boate Kiss
- Ricardo de Castro Pasche - gerente da boate
- Ângela Aurelia Callegaro - irmã de Kiko
- Marlene Teresinha Callegaro - mãe de Kiko

Indiciados sob suspeita de homicídio com dolo eventual:

- Gilson Martins Dias - bombeiro que vistoriou a boate antes do incêndio
- Vagner Guimarães Coelho - bombeiro que vistoriou a boate antes do incêndio

Indiciados sob suspeita de homicídio culposo:

- Miguel Caetano Passini - secretário de Mobilidade Urbana de Santa Maria
- Luiz Alberto Carvalho Júnior - secretário de Meio Ambiente de Santa Maria
- Beloyannes Orengo de Pietro Júnior - chefe da fiscalização da pasta de Mobilidade Urbana
- Marcus Vinícius Bittencourt Biermann - funcionário da secretaria de Finanças que deu o alvará de localização da boate

Indiciados sob suspeita de fraude processual (alterar provas):

- Gerson da Rosa Pereira - bombeiro; segundo a polícia, ele incluiu documentos na pasta referente ao alvará da boate
- Renan Severo Berleza - bombeiro; segundo a polícia, ele incluiu documentos na pasta referente ao alvará da boate

Indiciado sob suspeita de falso testemunho:

- Elton Cristiano Uroda - ex-dono da boate Kiss


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