Folha de S. Paulo


Lei de segurança ficou mais rígida após 30 mortes no Cine Oberdan

Um garoto desesperado para ir ao banheiro no cinema e a demora do lanterninha para vir iluminar o seu caminho funcionaram como gatilho de uma tragédia com 31 mortos, 30 dos quais eram crianças.

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O incidente acabou provocando uma das mudanças mais drásticas nas normas de segurança em São Paulo --a que determina que porta de emergência tem de ser aberta por dentro, e não por fora, como era comum na cidade nos anos 30.

A tragédia do Cine Oberdan aconteceu no Brás, na região central, em 10 de abril de 1938, um domingo de Ramos. O Oberdan passava em sua vesperal "Criminosos do Ar" (1937), o primeiro filme em que Rita Hayworth aparece com esse sobrenome (antes era Cansino).

Há duas versões para a tragédia. A primeira dizia que, quase no fim do filme, numa cena com um avião em chamas, alguém grita "fogo!", o que provoca uma fuga desesperada das crianças, que acabaram pisoteadas.
A segunda versão, estabelecida pela polícia, diz que o culpado foi um garoto com muita vontade de ir ao banheiro e pouca paciência.

Como os cinemas eram completamente escuros, ele teria de esperar o lanterninha guiá-lo até o banheiro no meio do filme, mas não o fez. Tateou até o banheiro e, como as luzes estavam apagadas, teve a ideia de colocar fogo num papel para iluminar o local. Deixou a porta entreaberta para aproveitar a luz de fora. A visão das chamas pela plateia teria provocado o grito de "fogo!" que desencadeou a tragédia.

FUNIL DA MORTE

Fogo mesmo só havia no jornal e na bermuda do garoto --uma das provas mais importantes para a polícia desvendar a causa da tragédia.

O Oberdan era um cinema do tipo palácio. Inaugurado em 1927, tinha uma arquitetura extravagante, com colunas gregas, plateia e balcão, teto com azulejos portugueses e capacidade para receber 1.600 pessoas.
Para alcançar o hall, toda essa multidão tinha de se afunilar por duas escadas estreitas, com pouco mais de um metro de largura. Foram nelas que as crianças acabaram pisoteadas.

No dia do enterro, a cidade praticamente parou, segundo os jornais.

Um acordo da federação das indústrias e da associação comercial com sindicatos liberou os trabalhadores para o cortejo. Até hoje é o maior número de crianças mortas num único incidente na cidade de São Paulo.

O choque produziu mudanças nas normas de segurança. Portas de saída não poderiam mais ser trancadas por fora. Corredores passaram a ser iluminados durante a projeção. Foi por causa da tragédia que os cinemas construídos depois de 1938 tinham escadas épicas.

O Oberdan resistiu como cinema até os anos 60. Ficou fechado por anos e, na década seguinte, o prédio passou a abrigar uma das lojas Zêlo.

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ENTENDA O INCÊNDIO NO CINE OBERDAN

O CASO: O Cine Oberdan tinha capacidade para até 1.600 espectadores. Segundo apuração da polícia, durante a matinê, um menino precisou ir ao banheiro. Como o caminho era escuro, e ele não encontrou o lanterninha, o menino colocou fogo em alguns jornais como iluminação. Outra pessoa na plateia viu as chamas pela fresta da porta e gritou "fogo!", iniciando um pânico generalizado. Morreram 31 pessoas pisoteadas, 30 crianças. Uma outra versão diz que as pessoas se assustaram com uma parte do filme, em que o personagem grita "fogo!"

O QUE MUDOU: As portas das salas de cinema passaram a ficar destrancadas e a abrir por dentro. O incêndio do Cine Iguatemi, em 1994, fez com que os cinemas passassem a exibir instruções de segurança


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