Folha de S. Paulo


Nova geração de cozinheiros resgata ofício de açougueiro

Musuk Nolte
renzo garibaldiO açougueiro e cozinheiro peruano Renzo Garibaldi, no OssoMusuk Nolte
O açougueiro e cozinheiro peruano Renzo Garibaldi, no Osso

Chega-se a uma idade em que o amor, a ambição e a riqueza se tornaram insignificantes diante de um bife, confessa um personagem de Somerset Maughan, um dos mais importantes
romancistas europeus do início do século 20.

Pois bem. Esse bife, que outrora era extraído de animais mais maduros, tinha menos gordura, mais resistência e intensidade de sabor, desapareceu.

A carne moderna é mais jovem, tem sabor mais suave e seca mais rapidamente ao ser submetida ao calor, segundo o pesquisador norte-americano Harold McGee, autor de "Comida e Cozinha".

Eis que uma nova geração de açougueiros de várias nacionalidades, batizada de Estados Unidos de la Carne, surge empenhada em resgatar esse ofício soterrado pela pululação de supermercados a vender carnes de "animais padronizados, de raças mais produtivas, criados em métodos fabris".

O movimento pode ser entendido como uma volta às origens, na qual o homem tinha mais controle -e conhecimento- sobre o caminho que a matéria-prima fazia do campo ao prato, obscurecido pela indústria alimentar.

Arquivo Pessoal
eua da carneOs cozinheiros açougueiros Ariel Argomaniz, Jefferson Rueda, Dario Cecchini, Diego Sosa e Renzo GaribaldiArquivo Pessoal
Os açougueiros Ariel Argomaniz, Jefferson Rueda, Dario Cecchini, Diego Sosa e Renzo Garibaldi

Para o líder do grupo, o italiano Dario Cecchini, considerado o mais famoso carniceiro do mundo e cuja família está no ofício há 250 anos, a essência de seu trabalho está no respeito pelos animais, conforme disse à Folha, quando esteve em São Paulo no ano passado.

"Devemos garantir-lhes uma vida boa, espaço aberto, boa alimentação, uma morte compassiva e o uso de todas suas partes, sem desperdício, que é a forma de dizer obrigado a quem nos alimenta."

Sob sua tutela, esses jovens açougueiros cozinharão juntos n'A Casa do Porco, de Jefferson Rueda, o integrante brasileiro do grupo, no jantar da próxima terça-feira (24). O menu de nove etapas custará R$ 560, sem bebida alcoólica.

COLETIVO
A estreia do coletivo foi em setembro, em Lima, Peru, no Osso, o misto de açougue e restaurante de um dos membros, o peruano Renzo Garibaldi, com quem a Folha conversou sobre seu ofício e sobre carne.

"Aprendi três coisas com o Dario. Para aproveitar o animal inteiro, o negócio precisa ser um triângulo (açougue, restaurante e hamburgueria). Dois: tem que proporcionar um show, é mais do que comer. Três: é preciso ter amor ao que se faz, tem que gostar da sua carne", diz Renzo.

Outro participante, o uruguaio Diego Sosa, pupilo do argentino Francis Mallmann, lembra o dia em que Dario apadrinhou o coletivo. "Era aniversário de 60 anos dele e nos encontramos no Osso. Logo no café da manhã, já estávamos comendo carne moída, linguiça... [risos]".

No jantar n'A Casa do Porco, em São Paulo, Sosa pretende preparar uma receita típica de seu país. A combinação de carne, pimentão defumado e queijo é envolta na pele do estômago do porco e chega à mesa na companhia de purê de tutano.

Podem-se garimpar casas de perfil semelhante ao Osso e à Casa do Porco pelo mundo. Eis O Talho, em Lisboa, do chef Kiko Martins, que tem feito sucesso em Portugal.

Por aqui, o Feed, butique sofisticada de carnes, abriu restaurante conjugado recentemente para exibir alguns de seus cortes, de produção própria. O Açougue Central, que Alex Atala, do D.O.M., está prestes a inaugurar na Vila Madalena, será concentrado em cortes não tradicionais.

CASAS DE CARNE
Restaurantes com açougues em sp

AÇOUGUE CENTRAL
ONDE r. Girassol, 384, Vila Madalena (em jan/2016)

CASA DO PORCO
ONDE r. Araújo, 124, República; tel. (11) 3258-2578

FEED
ONDE r. dr. Mário Ferraz, 547, Itaim Bibi; tel. (11) 5627-4700


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