Folha de S. Paulo


Roberta Sudbrack é eleita a melhor chef mulher da América Latina

Tomo emprestada, aqui, a frase que o sociólogo Carlos Alberto Dória destacou em seu último livro ao rememorar a ocasião em que Carlos Drummond de Andrade foi chamado de maior poeta do Brasil. Eis que Drummond perguntava: "Como você sabe? Por acaso saiu com uma fita métrica, medindo os poetas?".

Pois bem. E o que viria a ser a melhor chef mulher da América Latina? Um pouco do que é Roberta Sudbrack, que acaba de ser alçada ao posto pelo 50 Best, premiação da revista inglesa "Restaurant". Para ela, quem ganha é o Brasil.

Afora o machismo, tão démodé, que envolve um prêmio que aparta homens e mulheres, o reconhecimento tem a ver "com o momento da gastronomia brasileira". Uma gastronomia que ainda engatinha, em sua avaliação, mas já conquistou "constância e coerência". Que já é capaz de se comunicar com o resto do mundo por meio de uma "linguagem universal, moderna".

"A cozinha brasileira está vivendo uma tranquilidade porque tem consistência, substância. A gente não precisa criar um fato, ser exótico, a nossa cozinha é rica porque tem expressões das mais diferentes e das mais fortes de Norte a Sul. Todas as cozinhas queriam ter essa força."

Pois no trabalho de Sudbrack, fincado nas memórias afetivas, nas histórias do dia a dia e nas "cozinheiras de forno e fogão", fica explícita a potência do que se chama hoje de moderna cozinha brasileira. "Não existe a nova cozinha brasileira. Isso é uma cilada, não se deve abandonar as raízes."

É antagônico. A chef que vai contra toda sorte de tecnologias, que se firma no calor da brasa, na "baixa temperatura caseira", aquela que simulou um cozimento moderno, mas com o controle humano, capaz de preservar umidade, sabor, volume, mostra uma conexão tão visceral com a vanguardista cozinha do catalão Ferran Adrià. Por caminhos opostos, buscam algo singular: a ousadia, o novo.

"Quero mostrar que faço uma cozinha moderníssima só com a inteligência, as mãos e o ingrediente." Pois há dez anos, quando abriu seu restaurante, Sudbrack estava a propor algo extremamente revolucionário para a cena carioca à época -e até mesmo brasileira. Um menu-degustação que mudava todos os dias, de acordo com o que a natureza lhe oferecia de melhor. Era o futuro.

E qual é o futuro, hoje? "É principalmente isso, ouvir a natureza, estar perto dos produtores." Algo tão primitivo? "O futuro é primitivo, modernidade e tradição convivem."

Algo na filosofia de Santi Santamaría (1957-2011), o maior rival de Adrià, que bradava pela manutenção da cozinha tradicional, parece traduzir as construções de Sudbrack. Disse o chef espanhol: "Amar a cozinha é aceitar o legado histórico que é patrimônio coletivo e transmiti-lo às futuras gerações totalmente renovado e vivo, reconhecível e atual".

A chef se aventurou a celebrar ingredientes vulgarizados (e tão simples) como o quiabo, o milho, a jaca, em experimentações e pesquisas profundas, nas quais busca extrair tudo o que um produto pode oferecer e a essência de seus sabores. (Eis que a baba do quiabo, por exemplo, surge soberana em seu restaurante estrelado até pelo guia "Michelin").

Roberta Sudbrack é uma cozinheira "atormentada, inquieta, com um desassossego permanente". Conta que sua forma mais enfática de elogiar é dizer que algo ficou "quase perfeito". "Você está lidando com seres humanos. Não pode ter a pretensão de que fez algo perfeito."
Ame ou odeie.

A jornalista Luiza Fecarotta é jurada do 50 Best América Latina

RAIO-X
Roberta Sudbrack, 46, nasceu em Porto Alegre, viveu em Brasília e está há dez anos no Rio de Janeiro

Formação
Cursou veterinária em Washington e trocou o ofício pela cozinha, na qual é autodidata. "Aprendi lendo os livros do Carême [um dos mais relevantes cozinheiros franceses do século 19, conhecido como "o rei dos cozinheiros e o cozinheiro dos reis"] em francês, embora eu nem falasse francês [risos]"

Carreira
Aos 17 anos começou a vender cachorro-quente nas ruas por necessidade, foi cozinheira de Fernando Henrique Cardoso no Palácio da Alvorada e, em 2005 abriu o restaurante que leva seu nome no Rio; também comanda o SudTruck, caminhão no qual vende cachorro-quente

Novidade
No final de setembro deve inaugurar o restaurante Da Roberta, em uma antiga borracharia no Leblon, no qual exercerá uma espécie de volta ao passado, para explorar o que ela entende por comida de rua, "uma comida que está conectada com o produtor, com o artesanato". Servirá pastrami, linguiças e salsichas -estas, feitas em parceria com uma pequena produtora do interior de São Paulo-, vinhos naturais e cervejas artesanais brasileiras

Prêmios

2015
É eleita a melhor chef mulher no 50 Best América Latina
O restaurante recebe uma estrela no primeiro guia "Michelin" brasileiro

2014
O restaurante é o 13º na lista dos 50 melhores da América Latina

2013
80ª casa no ranking dos 100 melhores restaurantes do mundo, da revista "Restaurant" e 10ª na lista latino-americana

2012
71ª colocada na lista dos 100 melhores restaurantes do mundo, da revista "Restaurant"


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