Folha de S. Paulo


Nunca me fiz de coitada, diz eliminada do 'MasterChef' que não tem uma mão

Lanny Keppk, 33, pode não ter convencido os jurados do programa "MasterChef" com seu escondidinho de porco nesta terça (26), mas acabou ganhando um elogio inusitado dos jurados.

"Para qualquer pessoa que venha falar para mim que não consegue, vou dar seu telefone, tá bom?", disse a argentina Paola Carossella à cozinheira amadora, que nasceu sem a mão direita.

Lanny foi eliminada no segundo episódio da série. "Como não gosto de porco, decidi fazer um prato em que sentia confiança, mas me estripei", lamenta ela. "Fiquei muito triste, mas para mim o melhor foi ter saído com um elogio desses."

Ela é formada em administração empresarial, mas há quatro anos se dedica ao vôlei adaptado. "Ir para o 'MasterChef' foi um pouco enfiar o pé na cara da sociedade", explica.

Abaixo, leia a entrevista da cozinheira à Folha.

Lanny Keppt/Arquivo pessoal
Comida - Lanny Keppk, 33, não tem uma mão e foi eliminada do
Lanny Keppk, 33, que foi eliminada da segunda temporada do programa 'MasterChef', da Band

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Folha - Você acha que não ter uma mão influenciou na decisão dos jurados em algum momento?
Lanny Keppk - Não. Em nenhum momento me fiz de coitada. Não me senti menos e eles não me trataram assim. Sempre formei na minha cabeça que sou igual a todo mundo. A única coisa que as pessoas têm é uma mão a mais do que eu, mas isso é indiferente.

Eu acho que sofro muito mais preconceito com as pessoas que não me conhecem, que acham que eu sou uma coitada, do que com as que querem me conhecer, e me veem como um exemplo.

Você já sofreu preconceito?
Já, várias vezes. Às vezes são coisas que você deixa passar e às vezes são coisas que incomodam. As pessoas me olham e falam: "Nossa, que menina bonita, mas olha, ela não tem uma mão". Você vê as pessoas se cutucando e comentando. Tem gente que tem até vergonha.

Às vezes um homem me olha e me acha linda, aí ele vê que não tenho uma mão e não tem a coragem de falar: "Vou ficar com essa menina porque ela tem uma essência maravilhosa". O mundo é preconceituoso. Mas hoje já aprendi a lidar com isso.

Mas em alguns casos as pessoas não a tratam melhor por causa disso?
Sim, algumas pessoas, mas aí eu sinto que é um tratamento por piedade, por dó, e isso me incomoda tanto que de vez em quando sou até um pouco ríspida, o que é raro. Sinto um pouco de nojo disso. Tudo bem, é um sentimento que vem que a pessoa também não tem culpa disso, mas se a pessoa está vendo que eu vivo superbem, para que ter dó?

Você sente necessidade de provar algo para alguém?
Já senti muito isso, antes eu precisava mostrar para as pessoas que conseguia. Ir para o "MasterChef" foi um pouco enfiar o pé na cara da sociedade. Eu me escondi muito tempo por trás da minha deficiência. Antes só saía com os meus amigos e amava o inverno, porque podia colocar a mão no bolso.

Dois dias antes de o programa ir ao ar, eu estava em prantos porque eu não sabia se as pessoas iam receber bem ou mal isso. Mas na hora as redes sociais começaram a bombar, comecei a ver que a coisa foi para um lado muito positivo.

Você abriu um canal de vídeos gastronômicos recentemente.
Sim, o "1 Mão na Cozinha". O foco é a comida, mas tenho vontade também de gravar o meu dia todo: eu acordo, tomo banho, vou para o treino, dirijo. Eu consigo administrar várias coisas que muita gente não consegue, e eu quero levar isso de exemplo para ver se o povo acorda para a vida.

Eu quero mostrar para as pessoas que não é um bicho de sete cabeças. Eu acho que cheguei longe demais e não vou desistir não, no ano que vem vou tentar entrar no programa de novo. Meu sonho é abrir um bistrô. Quero estudar, quero fazer uma faculdade de gastronomia.

No que você acha que errou ontem?
Na hora que eles falaram que seria com porco, eu não sabia nem qual parte da carne pegar. Como não gosto de porco, decidi fazer um prato em que sentia confiança, para não entregar um negócio cru ou passado para eles comerem, mas me estripei.

No desespero você não tem muito o que pensar. Eu provei o prato o tempo todo, e estava bem temperado, bem executado. Mas tinha tudo do porco: carré, joelho, bochecha, língua, e eu vou lá e faço um escondidinho.

Vai ensinar a receita do escondidinho também?
Escondidinho eu vou fazer, só não vou fazer de porco.


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