Folha de S. Paulo


Apreciador de foie gras, Haddad decidirá sobre veto à iguaria

O pato confitado, cozido na própria gordura, recheia os canelones feitos com massa fresca. Cobertos por molho da ave, são salpicados com brotos de beterraba e pedacinhos do tubérculo em conserva. Para finalizar, um escalope de foie gras, que passou pela frigideira bem quente, é sobreposto à massa.

A receita do chef Renato Carioni, do restaurante Così, no bairro paulistano de Santa Cecília, é a favorita do prefeito Fernando Haddad (PT), entre os pratos que levam a iguaria. O apreço de Haddad por foie gras é conhecido por cozinheiros da cidade. O francês Erick Jacquin e o chef Wagner Resende (do Parigi Bistrot) contam já ter servido a ele pratos com o fígado "gordo" de patos ou gansos.

Na próxima semana deve chegar às mãos do político o projeto de lei 537/2013, de autoria do vereador Laércio Benko (PHS), que proíbe a produção e a venda do ingrediente na cidade. Sua feitura envolve a alimentação forçada das aves, por meio de um tubo de silicone introduzido na garganta.
Na terça-feira (12), o projeto foi aprovado por unanimidade, em votação simbólica, na Câmara Municipal.

"A sanção ou veto podem ter um cardápio grande de justificativas. Temos que verificar se eventualmente a matéria é de lei municipal", disse Haddad, que não quis revelar sua posição. Questionado se considerava o tema relevante, ele foi categórico ao dizer que não.

A Folha apurou que ele não deve sancionar o projeto.

Segundo o advogado Ives Gandra Martins, a lei é inconstitucional porque a questão não deveria ser tratada na legislação da cidade. "A Constituição prevê que municípios decidam sobre temas locais, e o comércio e a produção de alimentos não são de peculiar interesse local."

INGREDIENTE POLÊMICO
Cozinheiros e especialistas contrários ao projeto definem como restrita a discussão sobre o foie gras. "Se vereadores estão preocupados com os maus tratos a animais, deveriam olhar para os nossos frigoríficos. Existe muito mais sofrimento em abatedouros de todo o país", afirma André Freitas, professor do Instituto de Biologia da Unicamp.

Na quinta-feira (14) a Associação dos Profissionais de Cozinha do Brasil deu início a uma petição pública contra o veto ao ingrediente. Até a noite desta sexta-feira (15), havia 28 assinaturas.

"O foie gras está ligado à gastronomia mundial. Se o chef quer usar e o cliente quer comer, eles devem poder decidir isso. Quando há proibição o que acontece é o mercado negro", disse Laurent Suaudeau, diretor do conselho da APC.

Para o produtor artesanal de foie gras Pierre Reichart, que cria patos na região de Itu, os criadores da lei desconhecem o processo. "Se ele está gostoso é porque o tratamento do pato foi perfeito. Senão, o animal teria fígado e carne ruins."

Defensores dos direitos dos animais, no entanto, dizem que no foie gras há requintes de crueldade. "Ele não é um ingrediente. É o órgão hipertrofiado de um animal maltratado e morto para atender a um luxo desnecessário, diz Guilherme Carvalho, secretário-executivo da Sociedade Vegetariana Brasileira.

O vereador Laércio Benko afirma ter se baseado no sofrimento do animal para criar o projeto. "Ele tem um simbolismo importante para combater os maus tratos contra animais", disse.

"É algo provocativo. A discussão que ele está gerando é mais importante do que o projeto em si."


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