Folha de S. Paulo


Livro traz 'saber familiar' e receitas caseiras de Dona Canô

Ao arroz cozido que sobrou, juntar ovos batidos, um pouco de queijo ralado e misturar. Fritar às colheradas, como se fosse acarajé. Pode-se acrescentar carne moída, pedacinhos de frango...

Numa vasilha, colocar a farinha e, no meio, jogar um pouco de água fria, uma pitada de sal. Misturar rapidamente. A farofa fica com bolas, não é para desmanchar.

Era um pouco assim, sem precisão e com algum floreio, que Claudionor Viana Teles Velloso, a Dona Canô, ensinava aos filhos –entre eles os cantores Maria Bethânia e Caetano Veloso– a cozinhar. Não importa se era na cozinha de casa, sempre cheia para encontros familiares, ou pelo telefone, com eles mais velhos e morando longe da cidade-natal, Santo Amaro da Purificação (BA).

Pois foi assim também, sem catequizar a cozinha, sem definir rigidamente as quantidades de ingredientes e os modos de preparo, que uma de suas filhas, a escritora Mabel Velloso, decidiu editar, em livro, as receitas da mãe.

Os dois primeiros parágrafos deste texto são cópias literais de "O Sal É um Dom – Receitas de Dona Canô", publicado pela primeira vez em 2008 e que ganha agora uma segunda edição, que chega nesta quinta-feira (7) às livrarias de todo o país.

"Minha mãe ensinava as receitas assim pelo telefone –e, depois que a primeira edição do livro saiu, as pessoas me procuravam para dizer: 'Fiz igualzinho a como você manda no livro, e deu muito certo!'", conta Mabelo. "Então acho que dá certo!"

"A beleza maior da cozinha é essa alquimia: ir descobrindo como as coisas acontecem, aprender com os temperos, com a colher de pau...", diz.

TRAÇOS DE SAUDADE

O livro, rico em cores e motivos que lembram as rendas da roupa das baianas, é ilustrado com fotos de Maria Sampaio. "Todo o desenho tem o traço de saudade", segundo Mabel.

As fotos mostram Dona Canô e a própria autora na cozinha, a mesa baiana posta, os mercados de rua... São de abrir o apetite, de tocar ao coração, de invocar o sentimento que envolve a comida caseira, familiar.

A elas são intercaladas justamente histórias de família –além dos dois mais célebres e da autora do livro, Dona Canô teve mais cinco filhos, sendo duas de criação; todos, à exceção de Caetano, herdaram o dom da cozinha.

O nome do livro, diga-se, vem por causa de "causo" que mistura família e cozinha: ao terminar de ensinar uma receita pelo telefone para o filho Roberto, Dona Canô ouviu a pergunta "mas quanto de sal eu ponho?", ao que respondeu: "O sal é um dom, meu filho".

São cem receitas ao todo, a maioria com forte acento baiano, como era de se esperar. Há até um glossário a explicar que, no "dialeto" local, "azeite doce" é azeite de oliva, "machucar" é amassar e "manga peca" é a fruta que pecou, ou seja, que não amadureceu.

Para os fãs, o livro traz algumas das receitas favoritas de Bethânia –vatapá, "mas ela diz que não gosta, porque é gostoso demais", diz Mabel– e de Caetano –frigideira de maturi, a castanha de caju ainda verde.

Não é o caso de se assustar com a "baianidade": o nível das receitas é, em geral, fácil –como costuma ser no caso do saber familiar. O que dizer da roupa-velha? É, segundo o livro, um prato que se faz "aproveitando os restos das comidas", de feijoada a um cozido.

"Fazer um novo tempero, com cebola, tomate, pimentão e coentro, juntar um pouco de água e levar a cozinhar", ensina a receita. "Se quiser transformar em moqueca, é só colocar pimenta, um pouco de azeite de dendê e acrescentar gotas de limão".

O SAL É UM DOM – RECEITAS DE DONA CANÔ
AUTORA Mabel Velloso
EDITORA Casa da Palavra
QUANTO R$ 39,90 (134 págs.)
LANÇAMENTO quinta-feira (7), às 18h, no palacete das Artes (r. da Graça, 284, Salvador)


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