Folha de S. Paulo


Veja como são escolhidos os pratos das refeições com líderes internacionais

Nesta sexta-feira (24), a presidente Dilma Rousseff recebe para almoço a colega da Coreia do Sul, Park Geun-hye. Abre a refeição tortinha de carne-seca e abóbora, seguida de moqueca capixaba e bolo de rolo na sobremesa.

A diplomacia brasileira levou para a mesa do Itamaraty as receitas e ingredientes nacionais para conquistar autoridades estrangeiras.

"Pelo que serve, você pode fazer propaganda do seu país. Não só o que tem de típico, mas o que tem de qualidade para exportar", diz o chefe do Cerimonial do Itamaraty, Fernando Igreja.

Assim, surubim, casquinha de siri, bobó de camarão e frutas como caju e graviola ganharam espaço no cardápio de almoços e jantares oferecidos a presidentes e ministros estrangeiros.

"Evidentemente os pratos são elaborados para ter uma apresentação mais requintada", completa o diplomata.

A estratégia, conhecida como "gastrodiplomacia", popularizou-se em 2002, a partir de campanha de divulgação da gastronomia tailandesa. Após o sucesso, países como Peru, Japão e Coreia do Sul adotaram a ideia para promover suas culinárias.

Nas visitas oficiais, o perfil do visitante também precisa ser considerado na definição do menu. O banquete servido ao príncipe real da Arábia Saudita, em 2000, por exemplo, foi marcado pela "simplicidade e frugalidade" –com um cardápio que incluía surubim defumado e sorvetes de frutas tropicais.

Segundo Carlos Cabral, autor de livro sobre gastronomia e serviço exterior, a escolha foi motivada pelo fato de o convidado não ser adepto a "novidades culinárias".

E ainda há o problema da tradução. A sobremesa quindão, por exemplo, foi transformada em "egg-white pudding" (ou pudim de clara de ovo), em jantar servido na embaixada brasileira em Londres, no início de 2002. Na verdade, ela é feita de gema.

A MESA E A DIPLOMACIA

No livro "A Mesa e a Diplomacia Brasileira - O Pão e o Vinho da Concórdia" (Editora de Cultura), o escritor Carlos Cabral compara as regras da gastronomia diplomática a um tabuleiro de xadrez.

"Cada peça tem seu valor e importância previamente definidos, e a vitória nesse confronto deve ser inteligente e elegante", afirma.

A avaliação reflete a preocupação e o cuidado não apenas em elaborar os pratos mas também com o tipo de serviço adotado.

É praxe, por exemplo, questionar assessores de presidentes e ministros, de antemão, sobre eventuais alergias ou restrições alimentares. O perfil do convidado também deve ser analisado.

Na sede do Itamaraty, o foco é o destaque à culinária nacional. Para Tânia Manzur, professora de negociações internacionais na UnB (Universidade de Brasília), o uso de elementos culturais é um "instrumento de aproximação" entre os países.

Ao lado da literatura e do cinema, por exemplo, a gastronomia contribui para o chamado "soft power". "Algumas estratégias podem ser mais eficientes e eficazes do que a própria ameaça ou coerção entre nações", comenta a professora.

A França, já reconhecida pela qualidade de sua gastronomia, investe na preocupação em exportar uma boa imagem do país a partir de sua culinária. Seu objetivo atualmente é, a partir do estômago dos visitantes do país, ampliar de 84 milhões para 100 milhões o número de turistas internacionais.

Recentemente, houve a promoção, em parceria com o renomado chef Alain Ducasse, de uma campanha para servir um menu com ingredientes e pratos franceses em cerca de 150 países.

"A diplomacia é a arte de dialogar. Quando a culinária é boa e os vinhos são bons, a língua se delicia e as pessoas se aproximam", defende o embaixador da França Denis Pietton.

CHURRASCO E LULA

Para dar um tom mais intimista à refeição, o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, recebeu em 2011 o colega da Rússia, Vladimir Putin, em seu rancho, no Texas. Serviu churrasco e torta de nozes-pecã, tipicamente americana.

No Brasil, houve mudança recente na forma como os pratos são servidos. Durante o governo Lula (2003-2010), o serviço à francesa -em que convidados recebem ao mesmo tempo o prato já elaborado- deu espaço ao bufê.

Se antes havia mais tempo para a conversa entre os presentes numa mesma mesa, a ideia passou a ser a convivência ao se servir e no caminho entre o balcão e a cadeira.

Ao ser eleita, Dilma Rousseff retomou o formato anterior, mais tradicional na diplomacia.

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LIBERDADE POÉTICA
No cardápio do Itamaraty, quindim é "coconut surprise" (surpresa de coco) e bobó de camarão vira "Bahian shrimp" (camarão baiano). A feijoada é explicada por seus ingredientes, como feijão preto e carnes defumadas

SEM SURPRESAS
Para evitar problemas à mesa, todos os convidados de alto escalão, como chefes de Estado e chanceleres, são questionados com antecedência pelo Itamaraty sobre possíveis alergias

DESCONTRAÍDO
Ao assumir, Lula adotou o formato de buffet. Assim, buscava-se aumentar a descontração e permitir que convidados conversassem no percurso entre mesa e balcão. Dilma retomou o formato em que recebe-se o prato já elaborado

CARNE PROIBIDA
Em 2004, quando o então presidente Lula recebeu o primeiro-ministro do Japão, Junichiro Koizumi, o prato principal tinha a carne como protagonista. A produção nacional sofria barreiras para ingressar em território japonês. De sobremesa, foi servido um musse de manga. Ali, o recado foi de agradecimento: o Japão tinha liberado, após 27 anos, o ingresso da fruta em seu mercado

O QUE TEM PARA HOJE
Nesta sexta-feira (24), Dilma recebe a presidente da Coreia do Sul, Park Geun-hye. O cardápio: tortinha de carne-seca, abóbora e Catupiry, moqueca mista capixaba, arroz branco, farofa e vatapá. De sobremesa, bolo de rolo, sorvete de tapioca, calda de pitanga e frutas

BOBÓ E CHARLOTTE
Na visita de Kofi Annan, natural de Gana e então secretário-geral da ONU, em 1998, o cardápio teve inspiração afro-brasileira, com bobó de camarão e charlotte de maçã com calda de damasco

GAFE
Em 1968, ao fazer um brinde para a rainha Elizabeth 2ª, o general Costa e Silva saudou a visitante com a expressão "God....", mas esqueceu o final da frase, "save the queen", e repetiu a palavra seguidamente. Um auxiliar precisou ajudar o militar

POLIGLOTA
O cardápio é sempre traduzido para línguas mais recorrentes como inglês, francês e espanhol. Dependendo do visitante, pode-se acrescentar árabe ou chinês


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