Folha de S. Paulo


Chefs revolucionam a cozinha chilena em Santiago, capital do país

O Chile é mundialmente famoso pelo seu vinho, mas até recentemente sua comida não era conhecida para além de suas fronteiras. Agora, vários chefs na capital do país estão revolucionando a cozinha chilena, uma mordida por vez.

Enquanto alguns chefs estão reacordando os pratos ancestrais dos indígenas Mapuche e Rapa Nui, outros estão reimaginando cardápios típicos ao experimentar com ingredientes locais, incluindo flores comestíveis de lugares como a Patagônia e os picos gelados da cordilheira dos Andes.

Fãs de gastronomia do mundo todo estão viajando para Santiago para ter um gostinho de alguns restaurantes. A cidade, de sete milhões de habitantes, é tradicionalmente mais conhecida pela sua comida de rua, como sanduíches de carne e cachorros-quente lambuzados com creme de abacate, do que por sua alta gastronomia.

A comida típica chilena normalmente não é apimentada ou preparada de forma exótica e inclui empanadas, sopas de frutos do mar e caçarola de milho.

"A comida chilena nunca foi tão importante como é agora" disse o chef Rodolfo Guzman, cujo restaurante, Borago, foi nomeado na disputada lista dos 50 melhores restaurantes do mundo, no caso da América Latina, da San Pellegrino. "Nós desenvolvemos em nossas cozinhas toda essa comida que os mapuche tem comido por centenas de anos."

Guzman abriu seu restaurante em 2007 depois de trabalhar no espanhol Mugaritz, tido como um dos melhores restaurantes do mundo. Desde então, vários sous chefs que trabalharam no Borago abriram suas próprias casas.

Então, o que mudou?

"O Chile finalmente parou de olhar para fora e passou a olhar para si mesmo" disse o chileno e jornalista de gastronomia, Daniel Greve. "É a revolução de olhar para as nossas raízes e a cultura indígena, para o que é interessante no cozinhar de nossas mães e avós, e de desejar recriar um panorama."

No restaurante Peumayen, o chef Juan Manuel Pena serve pequenos pedaços de pães que são enfileirados geograficamente, de norte a sul do país. Entre eles, o "poe", um bolo de banana dos rapa nui, habitantes da Ilha de Páscoa, o remoto território chileno, no sul do Pacífico, anexado em 1888.

Os pães exóticos são seguidos por aperitivos, incluindo frango com purê de cebola, cogumelos e morangos, carne de cavalo e uma salada de alga marinha com vinho branco.

"Há alguns anos atrás, nós ainda estávamos discutindo entre chefs o que consistia o sabor chileno. O que é gastronomia chilena?" disse Pena, um argentino que viveu no Chile pela última década. "Mas agora está resolvido. Nós demos um passo a frente."

No Carlo Cocina Mercado Gourmet, isso significa reinventar como ingredientes tradicionais são servidos, como dispor pedaços de ceviche ou um pouco de "tomatican" –um molho de tomate, milho e cebola – em porções individuais. O restaurante em estilo mercado gourmet também vendo produtos locais como água engarrafada da Patagônia e azeitonas do deserto do Atacama.

"Por muito tempo, o Chile mostrou a si mesmo em termos de produtos" como vinho ou azeite de oliva, disse Carlo Von Muhlenbrock, um chef chileno que é dono de um restaurante e apresenta um programa de rádio e TV sobre cozinha local. "Mas o Chile agora está tomando riscos."

Pratos no Borago incluem enguia grelhado servida com um purê cozinhado sobre uma pedra do mar e mergulhado dentro de um caldo marrom com gosto de soja feito a partir das raízes de "cochayuyo", uma alga marinha chilena. Um ensopado tradicional conhecido como "chupe", preparado normalmente com frutos do mar, mas que, nesse caso, é feito com cogumelos e decorado com finas folhas de plantas selvagens crocantes que, ao morder, se parecem com asas de inseto.

"Eu não conhecia nada sobre cozinha chilena, mas eu gostei tanto do Borago que comi lá duas noites seguidas" disse Brandon Hensinger, fã de gastronomia, cujo objetivo é experimentar todos os melhores restaurantes da América Latina.

A cozinha latino americana tem ganho respeito mundialmente graças a mestres como o peruano Gaston Acurio, que abriu mais de uma dúzia de restaurantes ao redor do mundo, incluindo a franquia Astrid & Gaston. Agora, o Chile está começando a aparecer no radar gastronômico internacional.

Os ingredientes dos pratos desenvolvidos são tão abrangentes quanto a geografia chilena. Eles incluem desde azeitonas frescas, que crescem em um dos desertos mais secos do mundo, até "merquen" uma mistura de pimentas vermelhas defumadas com sementes de coentro nativas da região sul de Araucania, que os mapuches clamam como seu território ancestral.

Enquanto os chefs de Santigo estão aumentando com sucesso a fama da cozinha chilena fora do país, o governo precisa promover seus esforços em casa também, disse Maria Canabal, uma escritora de gastronomia de Paris.

"É um fenômeno isolado, porque a maioria dos restaurantes do país não são de alta cozinha ou não oferecem ingredientes indígenas", disse Canabal. "Eu só espero que [o fenômeno] inspire outros a fazer o mesmo."


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