Folha de S. Paulo


Novos restaurantes em São Paulo servem pratos de raiz de Portugal

No forno a lenha, onde gira lentamente no rolete por 2h30 a 250°C, o leitão à bairrada adquire a casquinha dourada e crocante que lhe é peculiar. O tempero, à base de banha suína, vinho branco e pimenta-do-reino, é costurado dentro da carcaça, para impregnar toda a carne.

Já fatiado no prato, lembra o pururuca mineiro, mas sem as bolhas da fritura –e, apesar de ser uma das receitas mais tradicionais de Portugal desde o século 18, permanece uma iguaria praticamente desconhecida do brasileiro.

No Rancho Português, no Itaim Bibi, uma das únicas casas da cidade a manter o prato no cardápio, são assados cerca de 500 leitões por mês. A porção para duas pessoas, com salada, laranja e batata frita em rodelas, custa R$ 139 –o animal inteiro, para viagem, sai por R$ 520.

"O leitão é o nosso principal prato, mas o bacalhau aparece em cerca de 20 receitas e representa 60% dos pedidos", afirma o gerente-geral Aragão de Melo.

Bacalhau não virou sinônimo de comida portuguesa no Brasil por acaso. A longa vida útil do peixe, seco e salgado –passo fundamental para que pudesse enfrentar a travessia do Atlântico–, é apenas uma das razões para isso.

Mas os ventos estão mudando. A cidade tem cada vez mais estabelecimentos de ambiente despojado, que se aproximam das tascas de lá, endereços para o dia a dia onde a oferta de carnes, frutos do mar e outros peixes é tão variada quanto a de pratos de bacalhau.

Depois do Chiado, de 2013, cujo consultor é Carlos Bettencourt (do sofisticado A Bela Sintra), veio o Gajos, aberto em outubro, onde um dos pedidos é o bitoque, prato popular em Portugal e ali rebatizado de bife à portuguesa.

A inauguração mais recente ocorreu neste mês, com a Taberna da Esquina, no Itaim Bibi. A casa, cujo cardápio foca em petiscos para compartilhar, pertence ao chef português Vitor Sobral, também da Tasca da Esquina, aberta em 2011 nos Jardins.

Quatro anos depois de se estabelecer por aqui, Sobral –um dos mais respeitados e premiados profissionais de Portugal– confessa que, no começo, teve embates frequentes com a clientela, que estranhava o menu elaborado à imagem e semelhança da matriz lisboeta.

"Todos queriam mais do mesmo. E alegavam que eu não sabia fazer bacalhau." Persistente, ele viu o número de clientes da Tasca subir dos minguados oito por dia para os atuais 150.

Já na Taberna, o salão para 80 pessoas tem estado cheio no almoço e no jantar –e o bacalhau aparece em apenas 9 das 29 receitas.

Enxuto, o menu é uma amostra de itens que não faltam à mesa portuguesa no dia a dia: carne suína, cordeiro, javali, peixe, frutos do mar, conservas e embutidos.

"Portugal é um país pequeno, mas com diversidade cultural muito grande", afirma Vitor. "É um mundo de receitas, dos ricos e dos pobres, do interior e da costa."

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DE RAIZ

Ingredientes e receitas típicas portuguesas e onde comê-las

AÇORDA
Receita à base de pão que adquire textura pastosa quando misturada a peixe ou frutos do mar e a um caldo de temperos
ONDE COMER Tasca da Esquina (al. Itu, 225, Jardim Paulista, tel. 11/3141-1149; açorda de camarão, R$ 66)

BITOQUE OU PREGO
Bife de carne bovina, geralmente servido dentro do pão ou no prato, sob um ovo frito
ONDE COMER Espírito Santo (av. Horácio Lafer, 634, Itaim Bibi, tel. 11/3078-7748; no pão, R$ 24,50)

BOLO DE ARROZ
Criado para driblar a falta de farinha de trigo, tem massa com ovos, leite, manteiga e açúcar (com o tempo, a farinha entrou)
ONDE COMER B.Lem Portuguese Bakery (r. Afonso Braz, 400, Vila Nova Conceição, tel. 11/2614-3933; porção individual, R$ 4,90)

BORREGO
É o cordeiro, mais comum em Portugal do que a carne bovina. "As vacas eram mais usadas para a produção de leite e o trabalho no campo", conta Vitor Sobral
ONDE COMER Tasca do Zé e da Maria (r. dos Pinheiros, 434, Pinheiros, tel. 11/3062-5722; paleta de cordeiro servida com arroz e feijão-branco, R$ 79)

CABRITO
Tem carne mais magra e escura que o cordeiro. Com menos gordura, exige cozimento maior
ONDE COMER Quinta de Santa Maria (r. Cerro Corá, 1.598, Lapa, tel. 11/3022-2499; carré de cabrito ao molho de vinho do Porto com batatas e brócolis, R$ 74)

DOBRADA À MODA DO PORTO
Tema de poema de Fernando Pessoa, é um cozido que mistura embutidos, feijão e legumes
ONDE COMER Chiado (av. Jurucê, 776, Moema, tel. 11/5041-5276; leva mocotó, chouriço, costelinha e feijão-branco e é servida somente às sextas e aos sábados, R$ 47)

ENCHIDOS
É como os portugueses chamam os embutidos. Entre eles, destaca-se a alheira. Originalmente à base de carne bovina, aves e pão, hoje já incorpora carne suína
ONDE COMER Taberna da Esquina (r. Bandeira Paulista, 812, Itaim Bibi, tel. 11/3167-6491; alheira com quiabos e cenoura, R$ 19,50)

FEIJOCA
O grão, maior que o de feijão, lembra a nossa fava. Como não é encontrado por aqui, costuma ser substituído pela fava verde
ONDE COMER Chiado (av. Jurucê, 776, Moema, tel. 11/5041-5276; favas verdes com alheira, R$ 33)

LEITE-CREME
É o creme brûlé português, com a mesma casquinha caramelizada com maçarico (ou somente polvilhado com canela)
ONDE COMER Taberna da Esquina (r. Bandeira Paulista, 812, Itaim Bibi, tel. 11/3167-6491; porção individual, R$ 16)

SARDINHA NA BRASA
O peixe, muito apreciado em Portugal, vai à mesa com limão
ONDE COMER Adega Santiago (r. Sampaio Vidal, 1072, Jardim Paulistano, tel. 11/3081-5211; quatro sardinhas assadas, R$ 41)

TAMBORIL
Conhecido no Brasil como peixe-sapo, costuma ser cozido com vinho, batatas e outros frutos do mar na cataplana, tipo de panela de cobre. Outra receita bastante popular é o arroz de tamboril
ONDE COMER Gajos (al. dos Arapanés, 1307, Moema, tel. 11/5543-9749; arroz de tamboril, R$ 48)


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