Folha de S. Paulo


Análise: Realities shows instigam os mais baixos instintos dos cozinheiros

No passado remoto (da Ofélia, mas ainda perpetuado através de Palmirinhas), o espaço da comida na TV transmitia uma mensagem singela: é uma coisa de mãe, feita com amor e carinho.

Depois, quando a TV a cabo estreou, no final da década de 1990, "A Cozinha de Classe Mundial", em que chefs pelo mundo ensinavam receitas em seus estrelados restaurantes, comida passou a ser mostrada como uma arte mais complexa, na qual cultura e técnica transbordavam em pratos sofisticados.

Hoje, com muitos outros formatos no ar, comida também se tornou centro de reality shows –aqueles programas em que os participantes fingem que agem com naturalidade e o público finge que acredita nisso.

Só que neles, quando o assunto é gastronomia, a estrela não é a comida: são os cozinheiros (amadores ou profissionais) que viram o prato principal.

Quanto mais rápidos, espertos, competitivos e até truculentos eles se mostrarem, mais ganharão pontos do júri e apoio do público sedento pela vitória de seus gladiadores favoritos. Esses shows, em vez de enaltecerem a arte dos cozinheiros, instigam seus mais baixos instintos.

A velha imagem do chef autoritário e histérico, que vinha sendo trocada pela do líder talentoso que convence pelo exemplo –e não pela panelada–, volta à tona quando Gordon Ramsay vira celebridade à base de gritos e palavrões (que nem usa tanto na vida real, mais diante das câmeras).

E a imagem da culinária como uma arte coletiva, de colaboração de um time unido na cozinha, cede lugar à da competição sangrenta por um patético "lugar ao sol".


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