Folha de S. Paulo


Gastronomia aparece como motor social no MAD, na Dinamarca

A gastronomia como motor social foi um dos pontos altos do MAD deste ano. A plateia aplaudiu efusivamente os cozinheiros que falaram de sua devoção ao ofício e de como pretendiam melhorar o mundo.

Entre os brasileiros, a carioca Kátia Barbosa contou, derramando lágrimas, que redimiu-se e salvou-se ao achar sua vocação (cozinhar e ajudar os que vieram, como ela, das favelas). 

Ron Finlay, que cresceu em área perigosa de Los Angeles, também falou de pobreza e como sua paixão por verduras o salvou. Acusou as grandes companhias de comida rápida de genocidas.

André Mifano, que entrou em cena encapuzado depois de exibir um pesado videoclipe que alternava imagens de bombas explodindo e animais de criação em massa, fez um discurso inflamado que ecoava o de Finlay.

O célebre chef francês Olivier Roellinger intimou seus colegas a usarem sua fama para fazerem o bem. Melhor palestrante do primeiro dia, e em tom de candidato a presidência, exclamou: "Políticos nunca cumprem seu dever, cabe a nós, chefs, construirmos um mundo melhor".

O juiz Jayme Santos Júnior foi outro que argumentou que chefs têm o poder de mudar o mundo. Em 2011, procurou Atala e lhe propôs dar aulas de cozinha em cadeias. 

A primeira turma de 30 presidiárias formou-se neste mês, em São Paulo. Com o respaldo da Gastromotiva, ONG presidida pelo chef David Hertz, mais duas turmas se formarão até o fim do ano. 

Foi nítido o impacto das apresentações dos brasileiros e, ainda mais, o encantamento geral pelo almoço servido por Rodrigo Oliveira e Felipe e Thiago Castanho. 

"A gente mostrou aqui coisas inéditas que o mundo não sabia a nosso respeito", disse Alex Atala.

MAIS AÇÃO

Enquanto discursos politizados e emocionados foram ovacionados, houve também aqueles com mensagens mornas, que passaram quase despercebidos. Entre eles, o lutador Rorion Gracie, que falou de comida saudável. 

René Redzepi, do Noma e idealizador do MAD, encerrou a programação com o anúncio de que o evento deixará de ser um simpósio para tornar-se algo mais impactante. "Já falamos muito, agora chegou a hora de fazer."

Resta ver se o idealismo se traduzirá em atos.

*

ISOLADOS

As palestras foram feitas em uma tenda de circo armada pelos funcionários do restaurante Noma, o 1º do mundo segundo a revista "Restaurant", em uma península isolada, a cinco minutos de barco do centro histórico de Copenhague.

*

ANESTÉSICO

O chef americano David Chang, dos restaurantes Momofuku (Nova York, Toronto e Sydney), adorou a cachaça de jambu (a folha do Norte que adormece a boca) servida pelos irmãos Thiago e Felipe Castanho. "Já tomei umas cinco doses, minha língua está toda anestesiada."

*

BAGAGEM

Os paraenses trouxeram na mala, aliás, 200 kg de "muamba", incluindo maniçoba (preparo feita com folhas de mandioca) embalada a vácuo, alfavaca (erva amazônica semelhante ao manjericão), garrafas de cachaça com jambu e bacuri (fruta nativa do Brasil).

*

NORDESTE

O chef Massimo Bottura, da italiana Osteria Francescana, 3º melhor restaurante do mundo no ranking da revista britânica "Restaurant", era todo elogios para a mocofava (cozido de mocotó com favas) do chef Rodrigo Oliveira. "Podia comer umas cinco tigelas dessas!"

*

COMIDA MARAVILHOSA

Como nos anos anteriores, René Redzepi, do Noma, reuniu os palestrantes num almoço festivo um dia antes da abertura do MAD. Massimo Bottura fez um orzo (cevada) com manteiga e cabeça de lagosta. Por cima, serviu lagostas grelhadas. Albert Adrià, irmão de Ferran e um dos melhores chefs da atualidade, decretou que tratava-se de "uma daquelas comidas maravilhosas que ficam na memória".

*

GRELHA

No domingo (24), ventava muito na península e Julien Mercier (francês radicado em São Paulo) sofreu para acender as churrasqueiras onde grelhou, ao lado de Rodrigo Oliveira, a carne de sol servida aos participantes. A técnica era brasileira, mas a carne, curada três dias, era contrafilé de gado dinamarquês.

*

TOP 5

Cinco restaurantes locais –os mesmos de 2013– foram eleitos os favoritos dos chefs e críticos presentes: Noma, Bror, Relae, Manfreds e Geist. No domingo, jantaram neste último os chefs franceses da velha guarda Alain Senderens e Olivier Roellinger, além de Bottura e Daniel Patterson (do Coi, em San Francisco). No sábado, estavam por lá Atala, Mifano, Albert Adrià e os irmãos Castanho.

*

PREFIRO MAÇÃ

O lutador de jiu-jítsu brasileiro Rorion Gracie, que foi ao MAD para dar palestra sobre o alimento como fonte de energia, nunca tinha ouvido falar em Albert Adrià e preferiu almoçar maçãs em vez de provar os tacos e burritos feitos pelo celeb-chef californiano Roy Choi.

*

SURRA

No barco de volta ao centro de Copenhague, ao final do evento, Gracie contou que, embora radicado nos Estados Unidos há 40 anos, quando vai a São Paulo treina jiu-jítsu com Alex Atala. "Ele é faixa roxa ainda, mas luta bem, leva jeito e é muito forte."

*

RECREIO

Quase não havia itens industrializados; os comes e bebes servidos tinham jeitão caseiro: fatias de pão com queijo e presunto de café da manhã, maçãs e café passado na hora para o lanche. No encerramento, os organizadores distribuíam pão com Nutella e cerveja.


Endereço da página:

Links no texto: