Folha de S. Paulo


'Comida' avaliou 30 menus infantis de restaurantes em SP; 97% têm fritura

Sair com a criançada para comer pode enlouquecer qualquer pai.

Se um adulto não pede folhas, massas insossas e carne processada, entre outros itens tediosos, por que uma criança deveria?

Enquanto pais têm combinações ousadas de sabores e texturas à disposição, os filhos parecem destinados a uma comidinha confortavelmente sem graça –nada desconhecido, miniporções e batata frita quase sempre no pacote.

Editoria de Arte/Folhapress

Saladas e legumes são raridade, ao contrário do que ocorre com as massas, as frituras e os hambúrgueres.

O "Comida" levantou 30 menus infantis em restaurantes de todas as regiões de São Paulo e os submeteu a três nutricionistas. Cada um selecionou os melhores –e os três foram unânimes na escolha de quatro casas. Eles também apontaram vilões em alguns cardápios.

Confira aqui os 30 menus infantis avaliados por "Comida"

Nessa pequena amostra, chama a atenção a falta de criatividade. "Os menus são monótonos porque consideram que as crianças só comem alguns tipos de alimento. Nessa visão, a fritura entra com tudo. Como boa parte das pessoas acha que a gordura melhora o sabor dos alimentos, dá crocância e um bom visual, consequentemente acredita que a criança vai aceitar bem algo fritinho", diz a nutricionista Alessandra Coelho, da clínica AC.

Entre os bons exemplos de menu citados pelos três especialistas está o da rede Per Paolo, assinado pelo chef Carlos Bertolazzi.

"Pode parecer sem graça, carninha e massinha com tomate ou com arroz e legumes, afinal, isso a criança deveria comer em casa. Mas é, sim, boa opção, porque as mães hoje não têm tempo de cozinhar e se entregam a 'nuggets', lasanha congelada e hambúrguer", explica Daniel Magnoni, nutricionista, cardiologista e diretor da Doutor Gourmet, que avalia produtos das indústrias alimentícia e farmacêutica.

Seguindo a mesma linha, o menu do Clos de Tapas, casa de comida autoral com influência ibérica, traz um escalope de "petit tender" (corte dianteiro do boi que lembra o filé-mignon, sem gordura) ou uma tilápia grelhada e sugere guarnições como brócolis, cenoura, ervilha e mandioquinha grelhados.

"Durante três anos trabalhávamos com sugestões do próprio cardápio, incentivando as crianças a provar e a descobrir sabores, mas a procura por pratos mais simples é maior", conta o chef Juca Duarte.
Outra rede italiana, a Pasta Gialla tem entre os acompanhamentos para os grelhados a massa integral –a rede argentina Pobre Juan sugere purê de batata e brócolis.

Mas, ao considerar a amostra de todas as 30 casas, apenas cinco delas listam legumes e só três, salada.

"A falta de verduras e legumes nos menus pode ser reflexo do que ocorre nas casas: se os pais não estimulam o paladar e apresentam só esses itens no dia a dia, a criança não vai aceitá-los no restaurante", diz a nutricionista Cristiane Kovacs, chefe ambulatorial do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

"Sentindo a falta da educação alimentar familiar, os restaurantes fazem as apostas menos arriscadas: arroz, macarrão, batata frita", complementa Alessandra Coelho.

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QUEM AVALIOU

Alessandra Coelho
nutricionista, da clínica AC, especializada em nutrição

Daniel Magnoni
nutricionista, cardiologista e diretor da Doutor Gourmet, que avalia produtos das indústrias alimentícia e farmacêutica

Cristiane Kovacs
nutricionista e chefe ambulatorial do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

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OS QUATRO MELHORES
Confira os menus infantis mais bem avaliados

CLOS DE TAPAS
MENU escalope de "petit tender" (corte bovino similar ao filé-mignon) ou tilápia grelhada + 2 guarnições (legumes grelhados, arroz branco, chips de batata, cabelo de anjo na manteiga)
QUANTO R$ 28
ONDE r. Domingos Fernandes, 548, Vila Nova Conceição, tel. (11) 3045-2154

PER PAOLO
MENU carne (escalopinho, parmegiana ou milanesa de filé-mignon ou peito de frango grelhado) + 2 acompanhamentos (arroz branco, feijão, salada de folhas, purê de batata, batata frita, espaguete ou penne)
QUANTO R$ 25,90
ONDE r. Cardoso de Almeida, 1.021/1.049, Perdizes, tel. (11) 2337-0667

Keiny Andrade/Folhapress
Menu kids do Per Paolo
Menu kids do Per Paolo

POBRE JUAN
MENU carne (filé-mignon, frango grelhado ou empanado, ou hambúrguer de picanha) + 3 acompanhamentos (arroz, feijão, batata, brócolis ou purê de batata) ou espaguete (molho branco ou de tomate)
QUANTO 25,90 (espaguete) e R$ 31,90 (prato com carne)
ONDE r. Tupi, 979, Higienópolis, tel. (11) 3825-0917

Karime Xavier/Folhapress
Menu do Pobre Juan
Menu do Pobre Juan

LA PASTA GIALLA
MENU escalopinho de filé-mignon, filé de frango ou hambúrguer + massa (integral, nhoque, penne ou espaguete) com molho (branco, sugo ou manteiga) ou arroz com brócolis, fritas, purê de batata ou legumes no vapor
QUANTO R$ 24,90 (só a massa sai R$ 20,50)
ONDE av. Mascote, 986, Vila Mascote, tel. (11) 2361-0322

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OS 10 VILÕES

Hot-dog prensado com cheddar (R$ 14,60), do Josephine

Parmigiana, arroz e batata frita (R$ 25,90), do Per Paolo

Bufê infantil com minipolpetone, hot-dog, nuggets caseiros, espaguete (molho branco e vermelho), nhoque, batatinha frita e smiles, purê de batata (crianças até 5 anos não pagam e de 6 a 10 anos pagam R$ 49), da Praça São Lourenço

Chicken finger e fritas (R$ 17,90), do Applebee's

Massa ao molho branco (R$ 14), do La Pergoletta

Picadinho de carne com arroz, pastel, feijão e farofa (R$ 34,90), do Na Cozinha

Filé-mignon ou frango grelhado com espaguete (manteiga e parmesão) e smiles (R$ 19,80), do Barbacoa

Penne no creme de leite e queijo fundido (R$ 21), do Outback Steakhouse

Peixe empanado e chips ao molho tártaro (R$ 28), do Emiliano

Dois minicheesebúrgueres, fritas e milk-shake (R$ 41,20), do America

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RESTAURANTES SERVEM MENUS DE FAST FOOD

Giz de cera, quebra-cabeça e canetinha que incrementam os tradicionais menus kids podem, sim, desviar a atenção da comida, dizem os especialistas ouvidos pela FOLHA. E, mais, ajudam a vender com facilidade franguinho empanado, batata frita, hambúrguer e cachorro-quente –receitas que construíram a fama de cadeias de fast food com quantidades elevadas de calorias, sódio, colesterol, açúcar e conservantes e que deixaram de se restringir às lanchonetes.

A fotógrafa Luciana Cristhovam, mãe de Sofia, 6, e Theo, 3, sente-se incomodada diante desse tipo de oferta para os seus filhos. "Os brinquedos agradam as crianças, claro, mas acabam tirando o foco dos pratos", afirma. "Mesmo restaurante que não é 'junk' tem sempre macarrão ao sugo, não explora um prato do próprio cardápio."

HÁBITOS

De fato, criança pode comer o que adulto come. "Uma alimentação equilibrada deve ser rotina, principalmente na infância, que é o período de desenvolvimentos físico e intelectual", diz a nutricionista Cristiane Kovacs. "É na infância que os hábitos são formados, quando sabores, texturas e aromas precisam ser provados."

A advogada Maria Isabel C. Bayeux Guedes Nunes, mãe de Guilherme, 3, e Catarina, 1, sai para comer com os pequenos de três a quatro vezes por semana e diz não ver um "problema tão grande", quando se depara com pratos "pobres do ponto de vista nutricional".

"Sair da rotina de vez em quando não faz mal, o mais importante é eles terem prazer no programa", diz ela. "Mas claro que seria melhor se tivesse uma variedade maior de pratos, inclusive mais saudáveis."

EXCEÇÕES

Há exceções, no entanto, que não estão necessariamente impressas em cardápios: a chef Janaina Rueda, do Bar da Dona Onça, por exemplo, incentiva as crianças a escolherem meia porção de um prato que lhes chame a atenção. "Se eu estiver na cozinha, mando à mesa um mexidinho de arroz, carne e ovo."

No fins de semana, quando o movimento das crianças é maior, o chef Juliano Valese, do espanhol Torero Valese, coloca na lousa a paella e aproveita para criar versões personalizadas da receita para elas: só verduras, franguinho, só camarão...

"Queria servir um prato diferente, gostoso e que não fosse massa com molho branco. Um prato mais saudável, mediterrâneo, que conversasse com a minha cozinha. Deixo a mãe ou a criança decidirem o que querem na receita", conta ele.

Segundo o nutrólogo Daniel Magnoni, não é preciso ser "xiita". "Lazer é lazer, mas começar com uma salada, evitar sal em excesso e mesclar carne com legumes pode ser prazeroso. A apresentação tem de ser atraente e não apenas em sobremesas lindas e cheias de cremes", arremata.

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BIFE À MILANESA, GORDURAS SATURADAS E AÇÚCAR SÃO PRINCIPAIS VILÕES

As combinações bife à milanesa, arroz e batata frita, cheeseburguer com chips e hot-dog com cheddar foram indicadas pelos três especialistas consultados pelo "Comida" como emblemáticas do que deve ser evitado pela criançada: comida industrializada, frituras, queijos cheios de gordura saturada, muito sal e muito açúcar –contido no arroz, no pão e na batata.

Questionado, Jesse de Andrade, dono do Josephine, que serve o hot-dog prensado, mas também tem opções como escalopinho rôti com purê de batata (R$ 24,10), diz que a ideia sempre foi fazer algo diferente, "e não trash".

"No lugar de um hot-dog comum, criamos uma opção com cheddar, o mesmo com o cheeseburguer, que em vez de ser uma carne processada, como a do cachorro-quente, é preparada artesanalmente por nós e coberta por mozarela. E, no lugar de fritas tradicionais, incluímos batatas chips, que também são fritas."

Já Denise Schirch, diretora do Grupo Forneria San Paolo e Dressing, que serve "bifinho à milanesa, batata frita e arroz", por R$ 35 –e também espaguete ao sugo, pelo mesmo valor–, diz que "há quatro anos, de acordo com os hábitos dos clientes, incluímos esse prato de milanesa, fritas e arroz, e achamos que ele merece uma revisão".

De acordo com ele, "toda vez que um menu infantil é sugerido, o maître avisa que é possível substituir as fritas por purê, batata assada ou cozida, assim como o bife à milanesa por um grelhado convencional".
"Além disso, há a opção até de incluir legumes, caso seja da vontade dos pais ou da criança."


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