Folha de S. Paulo


Cinco chefs estrangeiros contam as alegrias e desafios de cozinhar em SP

"Eu achei que brasileiros não soubessem cozinhar", diz o sul-coreano Jae Kim, do Noname Boteco, sobre seus primeiros meses no Brasil.

O chef asiático, que só tinha passagens por restaurantes no país natal, estranhou da alta quantidade de sal que colocamos na comida ao sabor de itens como a nossa batata-doce –"bem mais doce".

O tempo, porém, o ensinou a admirar pratos brasileiros. "No meu primeiro ano no Brasil, me apaixonei por pastel com caldo de cana; no segundo, por bolinho de bacalhau; no terceiro, por açaí... Sem contar o churrasco", diz.

O francês Julien Mercier lembra que, a cada dia que trabalhava ao lado de Rodrigo Oliveira no nordestino Engenho Mocotó, conhecia um ingrediente novo.

Guarda com carinho o passeio que fez com o antigo chefe no mercado Ver-o-Peso, em Belém (PA) –"algo que todo cozinheiro deveria fazer"–, mas afirma que pouca coisa se compara ao dia em que provou um dos mais triviais pratos nacionais: arroz.

"Em qualquer país, ele só é preparado em água fervente, ninguém o refoga; por isso, em nenhum lugar se come um arroz gostoso como o brasileiro", conta Mercier.

Esta, no entanto, foi a única técnica nacional destacada pelos chefs estrangeiros com os quais a Folha falou –veja abaixo um pequeno perfil de cada um.

"Nesse quesito, acho que a Espanha, por exemplo, ainda está à frente", diz Carlos Valentí, do grupo Rubaiyat.

Mas, para Rodolfo de Santis, há pouca diferença entre a técnica e os equipamentos encontrados nas cozinhas brasileiras e europeias.

"O que não se compara é a variedade de ingredientes", afirma o chef do Tappo.

"Frutas como a jabuticaba, legumes como a mandioquinha, as ervas e a tapioca me surpreenderam e têm crescido também fora do Brasil", declara De Santis.

Apesar disso, a qualidade dos produtos à disposição em São Paulo ainda incomoda. "Na França, fornecedores têm carinho com o produto com o qual trabalham; aqui, estamos começando a ver isso agora", diz Mercier.

Ainda que tenha se encantado com o palmito fresco ("na Espanha, ele só chega em conserva") e com o pequi ("o descobri seguindo o aroma na rua, até encontrar um vendedor"), Valentí sente saudade dos azeites.
"Na Europa temos azeites frutados, suaves... Aqui, todos são fortes, matam o sabor de qualquer emulsão", diz.

Outra opinião unânime entre os chefs é em relação às deficiências de mão de obra brasileira. "Parece que a gastronomia aqui cresceu, mas os profissionais não acompanharam", reclama De Santis.

Jae Kim, do Noname, completa: "Eu fiquei um ano trabalhando na pia antes de pegar em uma faca; aqui, os iniciantes atropelam etapas, falta respeito ao chef".

Mas nenhum dos profissionais ouvidos, registre-se, pensa em ir embora tão cedo. Nem o malasiano Low Kin, há seis meses no Satay, que, em português, só sabe mesmo dizer "pouco", "obrigado" –e "churrasco".

*

CARLOS VALENTÍ - Espanha
Nascido em Madri, Valentí foi um dos responsáveis pela implantação do primeiro Rubaiyat na Espanha, há seis anos. No final do ano passado, o espanhol de 37 anos foi convidado a assumir a chefia executiva do grupo –com três casas em São Paulo, uma em Brasília e duas no exterior.
Receita: Picanha com calda de açaí e palmito

JAE E RYAN KIM - Coreia do Sul
O sul-coreano Ryan, 36, chegou ao país em 2010, a pedido da mulher, brasileira. Chamou o primo, Jae, para pilotar a cozinha de uma casa de hambúrgueres –o Butcher's Market foi aberto em 2011. Vieram depois a casa de frutos do mar Fisherman's Table e o Noname Boteco.
Receita: Salada de salmão com pasta de amendoim

JULIEN MERCIER - França
O francês de 32 anos passou por casas na Europa, no Caribe e nos EUA até chegar a São Paulo, em 2008 –para se casar com a namorada brasileira. Aqui, trabalhou nos hotéis Caesar Park e no Engenho Mocotó até ser chamado, em 2013, para chefiar a filial do nova-iorquino Le Bilboquet.
Receita: Peito de pato ao cumaru

LOW KIN - Malásia
Nascido na Malásia e criado em Cingapura, Kin tem pai, tio e irmão chefs. Trabalhou em casas do sudeste asiático até ser contratado para criar o conceito do Satay. Aos 43 anos, tem mais seis meses de contrato para chefiar a casa –mas desde já considera estender a estadia.
Receita: Peito de pato laqueado com manga

RODOLFO DE SANTIS - Itália
O italiano de Brescia, de 28 anos, chegou ao Brasil com a então mulher em 2010, e foi trabalhar no bufê do sogro em São José do Rio Preto (SP). Oito meses depois, desembarcou na capital paulista, onde fez fama em seus dois anos no Biondi. Teve uma breve passagem pelo extinto Domenico e hoje é chef do Tappo Trattoria.
Receita: Ravióli de cebola caramelizada e mandioquinha

*

CAMINHO INVERSO
Chefs brasileiros relembram experiências no exterior –e a alegria de voltar

  • "Método, disciplina e técnica são mais evidentes na cozinha europeia -e bagagem cultural pesa muito para o cozinheiro. Ainda que o perfil dos profissionais no Brasil venha mudando, as escolas daqui têm perfil menos técnico e específico" - Raphael Despirite, chef do Marcel, estagiou na França, em Portugal e na Espanha
  • "A maior experiência lá fora foi o convívio com culturas diferentes. Hoje a gastronomia é universal, de sentidos e de sentimentos. Em qualquer lugar se aprende a fazer brigadeiro, mas só o costume o faz entender a alegria que ele representa" - Renata Vanzetto, chef do Marakuthai e do Ema, estagiou na França, na Espanha e na Dinamarca

Colaborou Camila Bianchi


Endereço da página:

Links no texto: