Folha de S. Paulo


Malta e outros destinos improváveis

Valentina Fraiz
Ilustração Zeca Camargo de 21.set.2017

Cena clássica: selfie em aeroporto. Já conto com isso, como o check-in, o raio-X na bagagem de mão, a garrafa d'água extra que compro antes de entrar na aeronave, o documento aberto na página da foto e o selfie com alguém que também está embarcando para algum destino. Já a imagem tremida é opcional.

Geralmente me ofereço para tirá-la —brinco sempre que, com meu 1,89 m de altura, já nasci com um "pau de selfie" e, por experiência, já faço o registro num ângulo perfeito que deixa o "cliente" sempre satisfeito. Mas há quem insista numa foto mais "autoral", e aí o risco de ela sair tremida é grande.

A menina que me abordou em Guarulhos na última quinta-feira era daquelas que logo assumem a tremedeira. O motivo que ela alegou para estar assim, no entanto, me pegou de surpresa. Na maioria das vezes, o nervosismo é uma consequência natural de querer aproveitar a oportunidade de um registro com alguém conhecido da TV, mas sua justificativa foi inusitada: "Desculpe eu estar tremendo, mas estou embarcando para minha primeira viagem para fora do Brasil —um voo para Frankfurt e, depois, Malta... e eu estou muito excitada".

Fiquei emocionado. Malta? Primeira viagem fora do Brasil? E alguém estava nesse nível de excitação para ir até lá? Achei toda a situação muito improvável. Malta não é um destino que provoca imediatas palpitações no coração. Ou é? Num rápido exame de consciência, dei-me conta de que estava ponderando sobre um destino que eu mesmo não conhecia —e que direito tinha eu de duvidar da alegria daquela turista estreante?

Quem (como eu) exerce sua vocação de viajante plenamente —e há muito tempo—, muitas vezes esquece o quão fascinante é aquela primeira viagem. Independentemente do destino. Como contei aqui recentemente, minha estreia nas rotas internacionais foi para Buenos Aires —coincidentemente para onde estava embarcando quando encontrei a passageira para Malta. E eu ainda era uma criança. Quem disse que eu não estava no mesmo nível de euforia que ela naquela época?

Nas duas horas de voo até a capital argentina fiquei pensando nesse episódio. Por que, por exemplo, eu mesmo não conheci ainda Malta —que, como todos me contam, tem muitas atrações e belezas? E que outros destinos improváveis eu estou deixando passar?

Na minha última passagem por Bancoc, em maio agora, conheci um brasileiro de mais de 30 anos que estava na sua primeira experiência estrangeira também: Tailândia e Vietnã. E qual o problema? Já encontrei um casal, numa conexão em Paris, que ganhava seu primeiro carimbo no passaporte a caminho da tão sonhada... Polônia —que também não conheço. Cruzei com turistas se abrindo para o mundo por Cuba indignados que eu ainda não ganhei um carimbo da imigração de lá. Sem falar em relatos que já ouvi de voluntários que, ao tomar coragem para finalmente sair do Brasil, vão trabalhar no Congo (que ainda não visitei) ou na Etiópia (minhas últimas férias).

Que direito tenho eu de achar que essas aventuras são menos excitantes do que viajar para destinos mais óbvios —Paris, Lisboa, Miami, Tóquio, Johannesburgo, Cidade do México, Buenos Aires? Na minha lista de prioridades, a essa altura, tenho Croácia, Seychelles, Brunei, Maláui e Groenlândia. Serão esses destinos mais interessantes do que uma primeira vez em qualquer lugar do nosso planeta?

A menina do selfie, a essa altura, está desfrutando das atrações da sua viagem —e eu aqui, de novo no Brasil, ainda fascinado com as possibilidades do passeio dela. Quem dera ela tivesse me marcado no Instagram (@zecacamargomundo) —assim eu poderia acompanhar o que faz por lá. E quem sabe até me inspirar a finalmente conhecer Malta.


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