Folha de S. Paulo


O Equador é o 110º país visitado nessa minha trajetória de viajante

Valentina Fraiz
Ilustração da coluna do Zeca Camargo de 10 de agosto de 2017

Cheguei a Quito -ou, como cantaria Beth Carvalho, subi (depois desci) mais de 1.800 colinas! Foi certamente uma longa viagem, já que não temos hoje voos diretos do Brasil à capital do Equador.

Por uma alteração de última hora, fui não pela peruana Lima, mas por uma conexão na Cidade do Panamá, o que deixou todo o trajeto ainda mais espichado. Assim, meus planos de explorar Quito ao longo de um dia antes de ir a Galápagos foram alterados.

Eu tinha uma noite só para conhecer um dos últimos países da América do Sul que me faltava. Embora o objetivo final fosse o famoso arquipélago que inspirou Charles Darwin a escrever sua revolucionária teoria da evolução, tinha decidido que um passeio pela cidade onde eu desembarcaria também valia muito a pena, sobretudo pelo seu belíssimo centro histórico.

Mas quando terminei de atravessar as tais colinas -o aeroporto Mariscal Sucre fica a quase uma hora de carro da cidade-, eu desci na frente de um hotel butique charmosíssimo (Carlota) localizado numa rua deserta, que contrastava com a sensação de que, durante o dia, aquelas mesmas calçadas eram palco de uma rotina vibrante.

Não me entreguei ao cansaço. Comi algo rápido no hotel e saí na madrugada para passear de noite por esquinas solitárias, com luz suficiente apenas para projetar nas fachadas das casas antigas as sombras das letras de ferro que identificam esse ou aquele estabelecimento: Facilpagos, Peque's Baby's Bazar, El Escondite Mágico, Talleres de Jubilados -elegantes letreiros congelados num tempo em que o neon ainda nem existia.

As igrejas, felizmente, estavam iluminadas generosamente, justificando a fama de estarem entre as mais belas do período colonial da América Latina. Emolduradas na noite escura, suas silhuetas brancas, lá e cá recortadas com detalhes de pedras esculpidas, eram um espetáculo ao qual eu assistia sozinho -um passeio silencioso ocasionalmente interrompido por ambulantes armando suas barracas antes que se instalasse a concorrência em busca dos turistas que iriam chegar pouco depois, logo pela manhã.

Foi nessa atmosfera que me dei conta de que o Equador era o 110º país visitado nessa minha trajetória de viajante. Se for considerar os 193 membros das Nações Unidas (a base que usei para fazer o título acima) faltam "só" 83 para eu poder dizer que já pisei em cada um deles.

Não é uma marca fácil de bater, mas do alto dos meus 54 anos não me parece tarefa impossível. Ainda mais quando lembro que dois terços desses 110 países foram visitados nos últimos 20 anos.

Mas digamos que eu chegue lá... Para onde ir depois?

A apenas horas de embarcar para um lugar onde a força da natureza nos faz lembrar o quão pequeno (e acidental) é o ser humano, uma linha de pensamento como essa me pareceu quase tola.

Ali na noite de Quito, eu era só mais um passageiro -não no sentido daquele que ocupa uma cadeira no avião, mas como alguém que está simplesmente em trânsito. E não só pelo nosso planeta, que por enquanto é o único que temos facilidade de explorar, mas por uma história de evolução onde temos ao mesmo tempo um papel insignificante e monumental.

Retornando ao hotel para tentar dormir ao menos um par de horas antes de zarpar para o tema da próxima coluna, o refrão do clássico de Beth Carvalho já tinha dado espaço a outra canção. Esta em espanhol, de uma banda querida chamada El Canto del Loco, com o apropriado título (para o momento) de "Nada de nada": "Un silencio de adioses, un sin quererlo [...] una gota sin água, así de pequeño soy yo, nada de nada".

Estava pronto para Galápagos!


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