Folha de S. Paulo


O que sabemos 'de verdade' sobre a África?

Experimentando uma certa expectativa -ou irritação- enquanto seu grupo de WhatsApp não responde sobre a viagem do fim de semana? Acho que eu tenho o antídoto para isso: imagine-se diante de uma igreja toda esculpida numa rocha -por cerca de 12 anos. Ah... isso tudo há mais ou menos oito séculos. Quer apostar que a ansiedade vai embora?

Na última coluna, dividi com você a emoção de ter passado parte das minhas férias na Etiópia. Uma emoção mista: parte aventura, parte reconhecimento, parte... sei lá o quê? Crescemos -sobretudo no Brasil- com várias ideias pré-formadas sobre a África. Sabemos, graças a um programa de educação mais apurado e inúmeros movimentos de identidade da cultura negra, que devemos uma enorme porção da própria essência de ser brasileiro à herança daquele continente. Mas o que sabemos "de verdade" da África?

Que é o berço de infinitas correntes artísticas -do jazz à timbalada, de Bispo do Rosário a Jean-Michel Basquiat? Sim. Que é um canto do mundo cheio de problemas? Sim. E o que mais? Bem, como esbocei no meu último texto, a primeira coisa que devemos fazer é lembrar que a "ideia de África" existe, mas trata-se de um conjunto de várias identidades. E basta olhar uma delas de perto, como fiz em Lalibela, para ter certeza disso.

Estava lá eu, então, diante de uma das igrejas de pedra que, reza a lenda, o próprio rei Lalibela esculpiu: ele trabalhava de dia e os anjos tocavam os trabalhos à noite -versão improvável para a construção desses hoje Patrimônios da Humanidade (Unesco), mas de uma beleza emocionante. Por dificuldades "técnicas", passei dias desconectado de tudo que a internet oferece para transbordar nosso cotidiano -e pude então focar toda minha atenção apenas nessas maravilhas.

Já tinha visto fotos de Lalibela -você mesmo pode acessá-las com um clique. Mas entrar nessas galerias de pedra, simples (só uma delas, a de Golgota, tem pinturas na parede), com suas janelas escavadas na própria rocha derramando luz suficiente apenas para evocar o divino -essa foi uma das experiências mais emocionantes da minha vida.

Na igreja de São Jorge, com seu icônico contorno em forma de cruz, desenhado na pedra como se fosse areia, senti algo que não vivia desde Timbuktu (Mali, também na África) -quando, gravando uma reportagem nas mesquitas de barro, minha voz me traía com um tom de choro. Chorei também na igreja de São Marcos, com suas paredes toscas (as marcas das ferramentas ainda visíveis nas paredes), onde a câmera do smartphone "lê" uma cruz de luz numa inesperada interferência da tecnologia. E chorei diante do precipício rochoso das igrejas gêmeas de São Gabriel-Rafael. Que força maior construiu tudo isso?

Não eram lágrimas fáceis. Elas vinham da gratidão de poder ter a chance de visitar um lugar com tanta história e ao mesmo tempo perceber a dimensão do ser humano. Não somos mais que uma mão que ora tira uma lasca para formar uma coluna -como numa igreja em Lalibela-, ora põe mais uma camada de areia para reconstruir uma torre -que avista o Saara em Timbuktu.

Um pranto onde cada lágrima tinha um agá no final, a mesma letra que às vezes quero usar para escrever "Háfrica" -agá de "história", de "halo", de "honra", de "harmonia", de "humanidade". Mas que eu acho que é mais de "herança" -que é o que eu respeito.

E que é o peso que nos cai nos ombros -não com um fardo, mas como uma mochila que sempre soubemos que temos que carregar quando nos propomos a viajar pela África.


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