Folha de S. Paulo


O dia que ouvi Talking Heads no Carnaval de Olinda

"Psycho killer, qu'est-ce que c'est?" não é exatamente um refrão de marchinha de Carnaval.

No entanto, ali na praça do Carmo, em Olinda, num animado ensaio para a folia que ainda demoraria duas semanas para chegar, era isso que se ouvia naquele coral de vozes do povo de todas as idades, de todas as caras, de todas as festas –unidos pela alegria de celebrar (sim!) um dos melhores Carnavais do Brasil ao som de um clássico do Talking Heads.

Não que a tradição da festa estivesse esquecida, pelo contrário. Se eu estava ali, é porque tinha ido conferir de perto o ensaio de um dos blocos mais tradicionais de Olinda, o Eu Acho É Pouco. Não sei o que o pessoal da cidade tem, mas eles são bons para batizar blocos!

Logo cedo eu estava ali na casa de Joana e Adailton, em plena rua do Bonfim, esperando o dragão (símbolo do bloco que neste ano comemora quatro décadas) descer a ladeira e chamar a gente.

Hoje os blocos estão na moda. Posso apostar que a essa altura, véspera da véspera de Carnaval, você mesmo já deve ter brincado em alguns deles, mesmo em São Paulo, onde uma década atrás isso seria impensável. Mas, quando falamos de um bloco de Olinda, estamos evocando uma tradição profunda.

Meus anfitriões já estavam prontos desde as 8h para receber amigos e gente que passava por lá, num convite ao verdadeiro convívio social –algo que nós, tão "conectados" ultimamente já quase nos esquecemos de como é.

Zeca Camargo em Olinda

Vestidos de vermelho e amarelo (as cores do Eu Acho É Pouco), eles entravam e saíam da própria casa, que é praticamente dentro do cortejo, e os olhos brilhavam para cada conhecido que chegava.

A música já se anunciava ao longe, e o dragão era apenas um borrão no alto da ladeira. Mas o frisson na casa já era palpável, com uma excitação genuína de que a promessa de alegria logo estaria se tornando realidade.

O bloco finalmente veio –e nos arrastou. Eu, o "turista", disparava meu olhar para todos os lados tentando aproveitar o máximo aquelas casas tão cheias de história pelo caminho, enquanto os "nativos" simplesmente iam felizes pelas ruas que já conheciam bem. Até que chegamos à praça do Carmo. Eu de branco, destoando da multidão rubro-amarela...

Mas isso não impediu que eu fosse recebido com um enorme carinho, uma vez que o denominador comum ali era a simpatia. Fosse o Carnaval, fosse o espírito do olindense e dos vários recifenses também presentes, fosse simplesmente o céu azul... Tudo ali somava para uma festa muito bonita. E a DJ Lala K nem tinha começado a tocar ainda.

Estava eu fazendo amigos, uma consequência inevitável daquela reunião, quando então ouvi aquela música do Talking Heads.

Aproximei-me da tenda onde Lala K fazia sua alquimia e fiquei maravilhado com a sucessão de músicas que ouvi. De Caetano ("Tieta") a Billy Idol ("Dancing With Myself"); de Amelinha ("Frevo Mulher") a Madonna ("Like a Prayer"); de Simone ("Tô Voltando") a Nirvana ("Smells Like Teen Spirit"), que me fez perder o controle –e posso provar em vídeo recente que circulou nas redes sociais (para meu orgulho!) que nossa DJ não soltou uma nota errada.

E ninguém deixou de brincar.

Foi assim que reencontrei o Carnaval de Olinda, que era, até a semana passada, apenas uma lembrança distante dos meus tempos de mochileiro. Fui, alegrei-me, fiz amigos e dancei. E que prazer que foi, em pleno Carnaval, gritar a plenos pulmões: "A denial, a denial, a denial, a denial".


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