Folha de S. Paulo


Não existe gravidade na Nova Zelândia

Cair para cima –e sobreviver

Era isso mesmo, eu estava caindo para cima? Ou será que estava subindo para baixo? Eu me esforçava para entender em que direção meu corpo estava indo. "Voando", preso apenas por um elástico nos tornozelos, que, por sua vez, estava amarrado numa cadeira.

Aliás, essa cadeira estava conectada a um paraquedas, que era puxado por uma lancha no meio de um enorme lago –confesso que não sei bem como tive tempo de me preocupar com essas, digamos, questões de orientação, quando a minha única aflição genuína deveria ser: vou mesmo sair vivo dessa?

Se você teve dificuldade em visualizar a cena acima, imagine sobreviver a ela. Tentando explicar de outra maneira: eu estava num "bungee-jump" meio diferentão. Para conseguir "cair" de uma altura maior que os próprios precipícios naturais do país que visitava, eu tive que "levantar voo" com o paraquedas e me jogar lá de cima do "voo".

Passo a passo. Duas lanchas saem de pontos próximos. Na que vai atrás, há um paraquedas acoplado a duas cadeiras, onde, junto ao instrutor, vai a vítima –no caso, eu mesmo. A lancha da frente serve para a tração. Segundos depois da partida, você já está ganhando altura. Em questão de minutos, ela já merece o adjetivo "vertiginosa".

Já seria adrenalina suficiente para qualquer viajante que sempre preferiu cidade à natureza –novamente, eu. Mas essa é só a primeira parte da aventura.

Quando o instrutor acha que já estamos altos o suficiente para tirar toda a circulação das suas veias e artérias, ele abre seu cinto de segurança e... empurra seu corpo! Não me lembro de ter gritado com tanta força em toda minha vida (mesmo estando com um elástico de bungee-jump preso no tornozelo).

É a partir daí que vem a desorientação. A primeira queda é para baixo, claro. Mas o elástico nos seus tornozelos na mesma hora fazem perceber que: 1) o sangue que parecia ter sumido do seu corpo agora pode ser encontrado quase que totalmente comprimido na sua cabeça; 2) tudo que você aprendeu sobre a lei da gravidade estava errado, pois, com o repuxo, seu corpo realmente começa a "cair para cima".

E para a direta, para a esquerda, norte, sul, leste, oeste. Vento, elástico e acaso se combinam na missão cruel de te deixar atordoado. Por pouco mais de um minuto, é verdade, mas o suficiente para se questionar: por que topei fazer aquilo?

Bem, eu estava num dos lugares mais lindos de um dos países com a natureza mais poderosa deste planeta: Queenstown, na Nova Zelândia. A cidade, cuja população parece ser 80% composta por estudantes (inclusive vários brasileiros) dá a impressão de ser pacata. A não ser, claro, pelas incontáveis agências de "turismo radical". Com aquele visual convidando, por que não?

De rapel a paraquedas, passando por mergulho com tubarões e voos de asa-delta, já fiz quase tudo o que pode ganhar esse rótulo de "radical". Mas sempre a trabalho.

Vamos gravar? Então conte comigo. Não tenho medo, mas também não tenho tesão de fazer nenhuma dessas coisas.

Esclareço: tenho até uma certa inveja de quem sonha a semana inteira com o domingo em que vai embarcar numa "manobra radical". Mas esse não é meu barato. Faço por obrigação, honro a reportagem, a matéria sai legal. Mas espontaneamente? Nem pensar.

Então como se explica que, no momento em que pousei na mesma lancha de onde o paraquedas decolou, eu já estava acertando o preço para mais uma salto? Deve ser alguma coisa no ar desse verdadeiro paraíso que é a Nova Zelândia...


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