Folha de S. Paulo


Você já foi ao Cafundó?

Valentina Fraiz
Ilustração para a coluna de Zeca Camargo (26/jan/2017)

A placa passou tão rápido e eu estava tão distraído que eu não tive a certeza de que tinha lido corretamente: será que eu tinha mesmo passado por um lugar chamado Cafundó?

Eu viajava mais uma vez pelo Brasil para outra reportagem que me permite descobrir praticamente toda semana um novo canto do nosso país (além dos cartões postais de sempre). Ia dessa vez em direção ao Povoado Saúde –uma extensão de Santana do São Francisco.

Para quem conhece o Velho Chico, esses lugares ficam bem perto de Penedo, uma cidade mais conhecida em Alagoas. Só que eu estava do lado de Sergipe.

Mas mais do que o destino final, o que tem me encantado muitas vezes é o próprio percurso que me leva até ele. Há quase um ano escrevi também aqui sobre essa mesma região, que me apresentava um "estranho mapa" do Brasil, com um "outro" Pão de Açúcar, um Mato Grosso "alternativo", uma Belo Horizonte ligeiramente deslocada de Minas Gerais e uma inesperada Palestina do Nordeste.

Mas o que eu não esperava era cruzar esse limite.

Lembrei-me de quando visitei o Mali, na África, num episódio que contei também neste espaço numa das primeiras colunas, e fui recebido com a curiosa frase: "Bem-vindo ao fim do mundo". Até então, eu achava que o lugar mais longe que a gente poderia chegar nesta Terra era o Cafundó.

Ainda tentando encontrar uma bússola mais confiável na minha imaginação, um outro fio de memória remeteu-me a um artigo publicado nesta mesma Folha, mais de 20 anos atrás –durante minha última passagem pela Redação.

Ele apresentava o verdadeiro Cafundó: uma comunidade negra que, como dizia a chamada, "resiste isolada, a 140 km da cidade de São Paulo, desde o tempo dos escravos". Quantos "Brasis" existem mesmo dentro do nosso Brasil?

Outro dia mesmo, passei pelo impecável Marco das Américas, uma reformulada (e bem pensada) atração em Foz do Iguaçu (PR), e tirei uma foto diante de uma placa maravilhosa: Argentina (com uma seta para cima); Paraguai (seta para a direita); e Brasil (sem seta, pois estava cravada no nosso solo).

E fiquei pensando em tantas outras que, apesar de instaladas com o honesto propósito de orientar, acabam nos deixando deliciosamente mais perdidos –como se pudéssemos ainda desfrutar das incertezas de um mundo sem GPS.

Mas, voltando a Aracaju, depois de uma tarde em Povoado Saúde, quis tirar a dúvida: teria mesmo eu lido aquilo? Afiei o olhar e não deixei passar nenhuma placa na estrada sem que eu conferisse. Até mesmo as que estavam no outro sentido, fazia questão de torcer o pescoço e conferir cada uma delas.

Até que...

Diante de mim, finalmente, ela apareceu! Pedi à motorista que me acompanhava para parar no acostamento. Veterana no trajeto, Dona Gigi, que por décadas dirigiu um ônibus por ali, desconfiou: o que eu queria fotografar no meio do nada?

Expliquei que a tentação de brincar com a ideia de ter chegado ali era grande demais para resistir. E logo parti para os selfies onde se lia ao fundo "Cafundó".

Tive de dar um truque, confesso. O que a placa indicava não era um lugarejo, mas um rio com este nome. Mas nada que um enquadramento esperto não pudesse ajeitar.

E essa foi a imagem que mandei para todos os amigos –e está hoje nas minhas redes sociais: a prova de que este viajante, com 105 países no passaporte, chegou finalmente ao Cafundó.


Endereço da página: