Folha de S. Paulo


Caçar a aurora boreal pelos céus da Noruega é mágico

Enormes cortinas fluidas avançavam em todas as direções: verdes, brancas e, às vezes, até vermelhas

O clima na van era de satisfação. Os cinco passageiros que viajavam nela de volta ao modesto albergue de pescador onde eu estava alojado estavam mais que contentes por terem visto o que nossa guia naquela noite classificou de "nível 3/4" –ou seja, uma aurora boreal "razoável" numa escala que vai de 1 a 10.

Eu mesmo estava no lucro. Havia chegado naquela noite a Alta, na Noruega, e só havia "caçadas" (como eles chamam as expedições em busca desse fenômeno natural) nos três dias seguintes. Estava cansado, vinha de um voo longo: São Paulo, Amsterdã, Paris, Oslo, onde pernoitei. E só então Alta.

Sara, a guia da vez, perguntou se eu queria ir com eles. "Será que vale a pena?", pensei alto o suficiente para ela me responder: "Quanto mais chances você tiver de ver a aurora boreal, melhor". Fui!

Ter essa experiência, uma espécie de troféu que todo viajante um dia quer ter, não é algo simples. Primeiro você "brinca de caçar" um pedaço de céu que não esteja nublado. Depois "brinca de esperar", já que esse espetáculo não tem hora certa pra acontecer.

Nevava quando saímos. Sara, atenta aos aplicativos meteorológicos, seguia ao sul à busca de um céu claro. Até que, depois de uma hora de estrada, paramos.

O frio era tanto que nem era assunto, como se os cinco graus negativos pudessem nos congelar ainda mais se falássemos sobre isso. E, enquanto tomávamos uma xícara de chocolate quente, uma levíssima camada verde começou a se formar entre nós e as estrelas que finalmente apareceram.

A essa altura, enxergar a aurora boreal era mais uma questão de fé: você tinha que acreditar naquilo que a guia garantia que era uma das boas aparições.

Aos poucos ela foi ficando mais densa; seu movimento sinuoso, mais presente. Se não chegava a dançar sobre nossas cabeças, aquela aurora pelo menos nos garantia que a noite não havia sido perdida. Por volta da meia-noite retornamos.

A monotonia do retorno só foi quebrada quando um italiano que estava no grupo começou a gritar: "Pare o carro, pare o carro". Quando todos perceberam a razão do seu pedido, formamos um coro: "Pare o carro!". Sara não tinha como não obedecer ao apelo.

Diante de nós, mais aurora boreal –mas não como a gente tinha visto antes. Se antes a imagem era a de um fino lençol, agora era como se uma musa grega tivesse soltado os panos de seu vestido ao vento. O que nosso olhos viam eram enormes cortinas fluidas avançando em espirais por todas as direções.

Verdes, mas também brancas, rosas e às vezes até com rajadas vermelhas. A sensação era como se pudéssemos tocá-las.

Estávamos diante do inexplicável –e aqui não estou falando das leis da física. O único adjetivo que conseguia pronunciar era um dos que costumo ser mais econômico para usar: "Mágico".

Todos gritavam: "Olha, olha, olha!", e assim foi por generosos 20 minutos de pura maravilha. Relutantes, entramos na van quando as luzes enfraqueceram. Elas, contudo, nos seguiram à distância até o nosso destino.

No dia seguinte, com um novo grupo, me perguntaram sobre a noite anterior. Ao descrever o que vi, toda minha euforia voltou. Magnus, o novo guia, disse que Sara contou que aquela tinha sido a melhor aurora boreal de toda a temporada, uma verdadeira nível 10.

Quando falei brincando que ela talvez diga isso para todos os grupos, Magnus, com a franqueza norueguesa, retrucou: "Sara é alemã, ela nunca mente".


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