Folha de S. Paulo


México e EUA têm uma conexão gastronômica curiosa

No Natal passado, descobri uma curiosa conexão entre o México e os Estados Unidos. Ao ler uma das espetaculares reportagens especiais do número de Natal que a "The Economist" publica, resolvi um dos mistérios que sempre me inquietaram –por que aquela ave colorida e suculenta que comemos nas festas de fim de ano tem, tanto em português como em inglês, o nome de um país: "turkey" (Turquia) para os americanos; peru para os brasileiros?

A curiosa matéria (você encontra na internet buscando o título "The flight of the turkey" e "Economist") revelou-me então que o peru, um dos pratos favoritos do país que na semana passada elegeu Donald Trump como o mais improvável presidente da sua história, tem sua origem justamente no país que o republicano eleito quer separar fisicamente dos Estados Unidos, ao construir um muro ao longo de toda a sua fronteira: o México.

A deliciosa confusão só foi possível num tempo em que as pessoas viajavam livremente por este nosso planeta –quando exploradores cruzavam mares para conquistar territórios (e tirar vantagens econômicas e políticas para seus impérios), mas também levavam na bagagem uma curiosidade genuína por culturas diferentes. Algo que hoje foi substituído pelo medo que sentimos do estrangeiro...

Trump reafirmou, na sua primeira entrevista oficial para a TV depois de ter sido eleito, que o tal muro que separará os EUA do país vizinho é sua prioridade. O que nos leva a crer que muitos outros virão, se não físicos, ao menos simbólicos. O país que deu aos americanos o peru –já chego lá– terá agora extrema dificuldade de se misturar com os norte-americanos.

Não sou um "geopolítico ingênuo". Compreendo que por trás da minha defesa do "livre viajar" existem questões seríssimas de imigração, atreladas a tantos outros problemas que abrangem da economia à religião.

Mas não posso deixar de registrar aqui um certo saudosismo de um tempo em que a mistura entre povos não era apenas inevitável: era também saudável e até desejada. Na dúvida, pergunte aos seus antepassados portugueses por que eles enlouqueceram quando chegaram pela primeira vez por aqui.

Citando mais uma vez a "Economist", a revista propôs numa capa recente uma nova divisão política do mundo: as culturas que dizem "bem-vindos" e as que gritam "fora daqui!". Preciso lembrar qual delas está ganhando? Ou já ajuda se eu escrever aqui Brexit?

No entanto, a gente segue viajando. Por quê? Talvez porque, no fundo, a gente tem a certeza de que nada é muito puro entre nós. Somos humanos, logo frutos de alguma miscigenação. Sigo achando que no lugar de semear divisões, tínhamos que mesclar tudo ainda mais e mais. E nos divertir com isso tanto quanto o peru...

Quando os espanhóis levaram essa comida para casa no começo do século 16, ela foi, pelo Mediterrâneo, parar em Constantinopla (hoje Istambul), principal cidade da Turquia. De lá, espalhou-se pela Europa e chegou à mesa dos ingleses, que então o levaram para uma certa colônia teimosa do outro lado do Atlântico. A mesma que hoje, independente, quer cortar os laços com a terra do "turkey": o México!

A história do nosso peru é ainda mais alucinada. Passa pela chegada dos portugueses à Índia e por uma confusão sobre de qual colônia exatamente a iguaria havia chegado –Peru, México ou Brasil (para onde os portugueses trouxeram a ave de volta).

Era tudo a mesma coisa 400 anos atrás –e como isso era bom.


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