Folha de S. Paulo


Por que gostamos de deixar os clichês turísticos em segundo plano?

Valentina Fraiz
Ilustração da Coluna de Zeca Camargo de

"Bem-vindo novamente! Este é seu 12º check-in com a gente, obrigado!" Antes mesmo de eu conseguir fazer as contas para saber se as boas-vindas da recepcionista no Metropolitan Hotel, em Bancoc, estavam corretas, Kai –que trabalha na loja de antiguidades ali no lobby– vinha do fundo do corredor gritando: "Mistá Kamego, mistá Kamego!", a melhor aproximação que ela conseguia para pronunciar meu sobrenome, em mais uma manifestação das saudades que ela sempre demonstra quando chego por lá.

Só alguns minutos depois, na tranquilidade do meu quarto, deitado na cama já enfeitada com uma guirlanda de flores miúdas, que eu voltei àquele placar. Era a nona vez que eu visitava a Tailândia –a primeira havia sido em 2003. O tal 12º check-in me pareceu exagerado (até porque eu não me hospedei no Metropolitan desde a primeira vez).

Mas se o computador da recepção dizia aquilo, era porque estava contando algumas idas e vindas rápidas que fiz em algumas viagens –uma escapada, por exemplo, para Luang Prabang, no Laos, para um fim de semana. Ou quando usei Bancoc só para escala de uma noite –a caminho, digamos, de Mianmar. Estatísticas à parte, o importante é que eu estava de novo em uma das cidades do mundo que mais gosto de visitar. Nem por isso...

Nem por isso eu podia dizer até agora que conhecia o mercado flutuante de Amphawa –que fica a pouco mais de uma hora (de carro) da capital. Por quê? Ora, porque isso é programa de turista, né?

Estou rindo de mim mesmo quando escrevo algo assim. Você que me acompanha em quase três anos de colunas neste caderno, sabe que minha primeira bandeira é viajar sem preconceitos: deixar o mundo, e sobretudo as pessoas que habitam nele, levar você. Mas talvez justamente porque eu sou mais interessado naqueles que vivem nos lugares do que nos próprios lugares, acabo deixando os grandes clichês do turismo em segundo plano.

Só fui então a Amphawa neste ano, depois de um punhado de vezes na Tailândia. E, pelo mesmo raciocínio –que, admito, não é dos mais espertos– nunca visitei propriamente a torre de Gálata, em Istambul; e só fui à estátua da Liberdade uma vez na vida (e olhe que já morei em Nova York); e sempre invento uma desculpa para não rever o Taj Mahaj (por onde passei brevemente apenas em 1986); e prefiro ficar com minha memória de infância dos barquinhos de Xochimilco, na Cidade do México; e conto nos dedos de uma mão (só preciso de dois deles!) as vezes em que subi na torre Eiffel, o ponto turístico maior da cidade que melhor conheço fora do Brasil, Paris (meu guia de lá já vai estar disponível na próxima semana, mas depois falamos disso).

Pensei nisso tudo enquanto flutuava num dos canais de Amphawa. Mais de dez anos visitando a Tailândia e... Por que eu levei tanto tempo para vir aqui mesmo? Por pura estupidez! Vendo a beleza das silhuetas deslizando na água, a riqueza dos sabores que experimentei –pratos preparados em diminutas embarcações instáveis, a alegria de uma vida que se divide entre o sólido o líquido– me dei conta de quão tolo fui em demorar tanto para abraçar esse clichê.

A gente às vezes fica querendo achar que faz um turismo muito diferenciado –que "o melhor" é fugir do óbvio. Mas se um lugar acaba ficando famoso com seus visitantes é porque existe uma boa razão para isso. Fui feliz neste dia em Amphawa. Tão feliz quanto sei que serei em cada um dos cartões-postais que citei acima. Assim que deixar de lado essa ideia boba de que existe algo como "turismo diferenciado"...

Pôs o pé para fora de casa? Então, já está "turistando" –e que seja muito feliz. Torre Eiffel, me aguarde!


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