Folha de S. Paulo


De cidades 'infinitas' como Paris, você sempre sai achando que não viu tudo

Valentina Fraiz
ilustração Valentina Fraiz coluna Zeca Camargo de 11 de agosto de 2016

Um novo bistrô em Paris, com o melhor vinho "biô"? Claro que indico. Uma casa de tango alternativa em Buenos Aires? Fácil, conheço duas. E um fado às 3h da manhã no Bairro Alto, Lisboa? "Tás a brincar": tenho uma dica ótima de um lugar onde o próprio António Zambujo já me levou. Mas quer me dar um desafio realmente difícil numa dica sobre viagens? É só me perguntar quantos dias eu acho que você deve passar em certo destino.

Passei por uma situação dessas há poucos dias, quando uma amiga querida me contou sobre as férias em outubro pela Europa: Portugal (uma semana e meia num passeio de bicicleta pelo sul do país), Berlim e Praga. Como sempre, fico meio indignado quando alguém "esnoba" Paris –e sugeri que ela, que já conhece (e ama) a cidade, passasse pelo menos uns dois dias lá.

Perguntei quantos dias ela ficaria em Berlim e em Praga. Cinco e três, respectivamente. E protestei: "Cinco é muito para Berlim... E você pode roubar um de Praga também!" Como estávamos num grupo grande, outros amigos imediatamente me contestaram. "Berlim é pra uma semana", defendeu outra viajante experiente. "Eu acho três noites em Praga pouco", disse outra, que tinha ido para lá há mais de 20 anos. Caí na armadilha e, quando vi, estava de novo envolvido numa das questões mais difíceis para o turista (com ou sem experiência): quantos dias dedicar a um determinado passeio?

Certas cidades são "infinitas" –começando por Paris, é claro. Mas pense também em Tóquio, Buenos Aires, Londres, Bancoc, Nova York, os grandes polos turísticos. Não importa quanto tempo você passe neles, sempre vai aproveitar muito e achar que saiu sem ver algo.

Outras, porém, oferecem uma experiência "elástica": seu envolvimento com ela não está ligado às atrações que ela oferece –que podem ser limitadas– mas às experiências que o acaso lhe trouxer. E por mais que você dê detalhes de tudo o que fez por lá para quem está indo, dificilmente essa outra viagem será vivida na mesma intensidade que a sua. E são nessas que hesito palpitar na duração da estadia.

Berlim, por exemplo, que discutimos naquela noite. Já fui três vezes para lá, uma com muro e duas sem (como já contei aqui, neste espaço). Sobretudo nas duas últimas vezes, tive uma ligeira sensação de deslocamento, como se a cidade –que é absurdamente jovem– não desse boas-vindas a este cinquentão.

Assim, minha sugestão por lá é uma ronda de museus (dois dias), um dia de passeio de bicicleta, uma noite de música clássica, outra com um bom DJ, uma visita solene ao memorial aos judeus mortos da Europa (imperdível) e outra mais informal ao portão de Brandemburgo –e pronto! (Você, como algumas pessoas naquela noite, tem todo o direito de discordar.)

E aí, ainda no roteiro da minha amiga, temos Praga –que visitei no que gosto de achar que era uma lua de mel tardia. Fiquei lá apenas dois dias, exatamente como ela planeja ficar. No primeiro, saí pela ponte Carlos: não satisfeito em acordar olhando uma pontinha dela, da suíte do terceiro andar do hotel Aurus, queria passar a manhã indo e vindo nos seus paralelepípedos.

Almocei num lugar ordinário e corri para a praça do relógio, onde esperei como uma criança seu mecanismo se movimentar e depois saí com prazer pelas ruas labirínticas em volta dele. Até estar cansado e com fome o suficiente para sentar num restaurante à beira do rio e finalmente comer bem.

Com esse roteiro, de um dia apenas, eu já teria saído satisfeito de Praga. A questão é que eu estava muito apaixonado, e, no dia seguinte, fiz as mesmas coisas, tudo de novo, achando tudo lindo como da primeira vez. E teria repetido tudo num terceiro, quarto, quinto dia. Porque eu estava enamorado –e não só pela cidade.

Mas então, quantos dias mesmo eu digo pra minha amiga passar em Praga? A princípio, ela vai sozinha, então duas noites e um dia cheio. Mas vai que no passeio de bicicleta em Portugal ela conhece alguém e...


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