Folha de S. Paulo


Não reclamei de ter ficado de fora da abertura da Olimpíada de Atenas

AFP
Monastério construído na pedra em Meteora, na Grécia
Monastério construído na pedra em Meteora, na Grécia

Dava para ouvir o barulho das pessoas lá dentro do estádio. Nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, eu tinha tudo para assistir a uma das cerimônias de abertura mais impressionantes –aquela que elevou o patamar para os espetáculos que vimos nos eventos seguintes: o impressionante troar dos tambores em Pequim e, quatro anos depois, um impecável festival pop em Londres. Torço para que o Rio possa superar esses eventos na semana que vem com o nosso talento para festas populares.

Mas, naquele verão (europeu) de 2004, eu estava na capital grega, em uma das escalas da minha primeira volta ao mundo –devidamente calculada para coincidir com a Olimpíada. E tinha ainda uma credencial para a cobertura da festa, como parte da enorme equipe de jornalismo da TV Globo que desembarcou por lá. Estava, aliás, preparadíssimo para fazer uma reportagem para o "Fantástico". Tudo o que eu não tinha era o voto popular...

Explico: nesse projeto que fiz (que até hoje digo que foi o trabalho mais gratificante da minha carreira), o público do "Fantástico" escolhia, entre duas opções, para onde eu deveria viajar a cada semana. O que foi uma novidade muito positiva –a interatividade na TV começava a engatinhar e foi um dos motivos do sucesso da série– às vezes era um tiro que saía pela culatra para este viajante.

Nunca cheguei a entender os caminhos do gosto da audiência. Por que escolheram Cingapura e não Bali? Romênia no lugar da Ucrânia? Os caprichos de quem me assistia eram impossíveis de serem desvendados –a votação daquela semana na Grécia foi outra surpresa: será que eu assistiria à cerimônia de abertura na capital ou iria para o interior, visitar uma cidade chamada Meteora?

Tinha selecionado essa opção sem acreditar muito nela. Apesar de prometer relíquias do passado, eu tinha certeza que o público iria escolher a festa de abertura. Já estava comemorando por antecipação. Mas aí veio a votação e... Lá fui eu para Meteora.

Bastante contrariado, é verdade. Fomos de carro –uma estrada lindíssima, diga-se, boa parte dela ao longo daquele mar de nanquim–, com direito a um almoço simples e estupendo no meio do caminho. Chegamos a Meteora já à noite, sem ver muito o que nos esperava, e nos alojamos numa pousada sem luxo mas espaçosa. E aí no dia seguinte...

Bem, no dia seguinte eu já tinha esquecido da Olimpíada de Atenas! Diante de mim, uma paisagem única no mundo: em cima de pedras que brotavam do chão como enormes cogumelos, mosteiros construídos há mais de cinco séculos repousavam como se tivessem sido erguidos não pela mão do homem, mas como um agrado dos deuses aos fiéis.

Não são suntuosos –os templos de manifestação da fé ortodoxa raramente o são. Mas são exuberantes na sua simplicidade. As capelas que visitamos em cada um dos mosteiros chegam a ser tão pequenas que se confundem com um cômodo ligeiramente mais decorado daquelas construções espartanas. Um ou outro noviço passava rápido durante as visitas, tão discreto que só o canto do olho registrava. E nas janelas e terraços, uma vista sublime que nunca encontrei em nenhum outro canto da Terra.

Fiquei três dias lá, o suficiente para visitar quase todos os mosteiros. E voltamos para Atenas bem no dia da festa de abertura. Estava hospedado com outras pessoas da equipe num apartamento particular, alugado para a temporada, bem próximo ao estádio onde tudo aconteceria. E a caminho de lá, exausto da viagem, ouvia fora dos muros os sons de excitação, mesmo antes de a primeira atração começar.

Por alguns breves instantes fiquei meio triste de não participar daquilo. Mas logo veio a lembrança de Meteora. E pensei comigo, em tom de brincadeira, que os atletas estavam entregues à própria sorte. Se os deuses do Olimpo estavam mesmo presentes em algum lugar naquela noite, era na experiência que eu tinha acabado de ter por lá –e não nas quadras, raias e pistas de competição.


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