Folha de S. Paulo


Os pinguins de Madagascar

Eu só me lembro de ter olhado tanto tempo para cima quando visitei a Capela Sistina, no Vaticano. E mesmo assim, o que eu via –tentava ver– não era exatamente uma obra de arte. Pelo contrário. Por vários minutos, nada acontece: lá em cima, apenas copas de árvores belíssimas e um rasgo de céu, que raras vezes é azul.

Eu disse que era uma questão de minutos? Vamos esticar para algumas horas! Em vários momentos, você simplesmente esquece o que está fazendo: por que está ali enfrentando as agruras de uma floresta tropical, chuva fina, umidade, trilhas incertas, chão escorregadio? E então você vê um movimento em algum lugar: um galho que parece balançar e as folhas conjugando um verbo de que você quase tinha esquecido: farfalhando...

Sua expectativa sobe. Seu olhar fica mais afiado. De repente, algo salta de um tronco para o outro, num pulo tão preciso e ao mesmo tempo tão natural que quase nos faz esquecer que aquele é um gesto carregado de precisão, executado por uma criatura que –imagine!– passa a vida brigando contra a gravidade.

Logo aquilo que você achava que era um só é uma família, adorável, e de um animal que só existe naquele lugar: o lêmur de Madagascar.

Quando decidi que passaria parte dessas minhas últimas férias lá, não sabia muito bem por que havia escolhido esse destino. Sim, eu nunca tinha ido pra lá (o que já conta). Mas o acesso não é fácil –nem todas as companhias aéreas voam para lá regularmente– e a infraestrutura também não ajuda: distâncias de pouco mais de 100 quilômetros levam horas para serem percorridas.

Eu tinha uma vaga certeza de que queria ver os lêmures, mesmo admitindo que minha curiosidade zoológica nunca foi grande fator determinante nas minhas viagens. Confesso que tive sérias dúvidas se tinha feito a escolha certa. Dúvida esta que toda aquela espera pelo lêmur na floresta só reforçou... Mas então ele aparece -eles aparecem. E você esquece toda essa bobagem.

Seus anfitriões no parque nacional de Mantadia, perto da cidade de Andasibe, mal percebem que você está ali só para vê-los. Aliás, se perceberem, vão embora rapidinho. Por isso, ao menor sinal de aproximação, você deve ficar imóvel: apenas os olhos se mantêm bem atentos, e também os ouvidos, para você escutar o guia sussurrando instruções sobre o melhor ângulo para observar os bichos. E é emocionante!

Depois de dois dias intensos nesse "safári", ao me despedir daquela cidade, meu guia perguntou se eu queria parar na "ilha dos lêmures" para tirar uma foto com alguns deles. Fiquei meio indignado! Depois de tanto esforço, sempre à distância, descubro que eles estão ali ao lado, à minha disposição para uma selfie?

"É para os turistas chineses que não têm tempo de ficar esperando para observá-los na natureza", explica Nono, meu guia. Fui lá, dei banana para eles e tirei dezenas de retratos altamente "instagramáveis". Preciso reforçar que não foi a mesma coisa? Escrevo isso sem medo de parecer que estou supervalorizando a observação dos lêmures ao ar livre só para tirar onda.

Há sim um clima totalmente diferente no meio da floresta, onde o que conta é justamente a excitação de encontrá-los depois da espera. Quando eles finalmente aparecem, é como se a descoberta fosse só sua –e você se sente o mais esperto dos exploradores. Tudo acontece à distância; a aproximação é uma exceção. Mas eu diria que é um contato até mais íntimo do que aquele orquestrado na tal "ilha", onde ele fica literalmente grudado no seu pescoço.

Essa é a lembrança –a desses bichos adoráveis no seu habitat– que eu trouxe de volta de Madagascar. E os pinguins? Pois é... Desde que voltei, estou tentando responder a esta pergunta para as crianças que veem minhas fotos da viagem e acham que estive naquele país do desenho animado.


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