Folha de S. Paulo


Ainda passo lá o Carnaval

Eu sou louco com Carnaval. Só para você ter uma ideia, este foi o 14º ano em que sambei na Sapucaí –de onde já saí duas vezes campeão. Procuro nem que seja um simulacro dessa nossa festa maior em qualquer canto do mundo por onde passo: das baterias de escolas de samba improvisadas em subúrbios industriais do Japão a bizarros bailes à fantasia no Uzbequistão.

Neste ano, no Rio de Janeiro por causa do trabalho, embarquei novamente na folia –ou na sutil onda que o arrasta com alegria diluída e que entra pela sua janela, como uma homeopatia, mesmo que você decida ficar em casa na cidade durante os quatro dias (oficiais) de Carnaval. Mas, justamente por ser raro eu fugir dessa animação, há alguns anos venho nutrindo a fantasia de passar esse feriado num lugar que seja exatamente o oposto disso tudo.

Como certa casa num lago que visitei no Canadá. Taí um país que, apesar de ter algumas das cidades mais cosmopolitas do mundo, dificilmente abraça nosso Carnaval com o entusiasmo devido. O Canadá é um lugar de gente incrível e paisagens estupendas. (Mas, a não ser que exista uma "sociedade carnavalesca secreta" nos corredores subterrâneos de Montréal, duvido que seja um destino para foliões.) E é justamente para uma dessas paisagens que eu "viajo" quando penso nessa "fuga".

No meu devaneio, quero ir mais próximo da natureza. Quero que seja um lugar difícil de chegar e que dê preguiça de sair. Quero uma paisagem que eu não me canse de olhar e cujo silêncio seja capaz de me anestesiar. Como a casa de Gotz, em Rose Harbour, na Colúmbia Britânica, que visitei em 2008.

Na época, eu viajava pelo mundo visitando alguns dos Patrimônios da Humanidade da Unesco e procurava por diversidade. Teria sido fácil passar por igrejas e castelos. Mas queríamos, com essa série, mostrar que esse nosso patrimônio é na verdade muito mais rico que um clichê de história. E por isso escolhemos mostrar a ilha de SGang Gwaay.

Não foi um trajeto simples. Voamos de Pequim (China) para Vancouver, cruzando a linha do tempo no sentido oeste (e, com isso, ganhando o privilégio de "viver um dia duas vezes"). De lá, mais um voo até Sandspit e mais uma balsa até uma cidadezinha chamada Queen Charlotte. Dormimos lá e depois fizemos parte do trajeto de hidroavião até Rose Harbour, onde fica a casa de Gotz. E dali ele nos levou numa lancha a SGang Gwaay.

Lá estava o patrimônio que procurávamos: uma série de totens (na verdade, túmulos indígenas), a maioria do final do século 19, decompondo-se pela ação do tempo. É um lugar simples, mas de paz. A imponência de SGang Gwaay tem a ver com o respeito que o povo ali tem pelos seus ancestrais –e não com a grandiosidade de nenhuma construção. E foi isso que tentamos passar na reportagem.

Minha experiência ali foi além da força daquela ilha. Talvez inspirado pela solenidade de SGang Gwaay, descobri em Rose Harbour um oásis de tranquilidade. E Gotz certamente ajudou nessa imagem: um alemão que um dia veio conhecer este lugar e nunca mais saiu de lá. Ele conta as vezes que saiu de lá para a Europa nos últimos 20 anos nos dedos de uma mão –e chega a passar oito meses sozinho, sem falar com ninguém.

Só ele e aquela paisagem.

Eu acho que senti um pouco da força que Gotz recebe naquele lugar. Rose Harbour é dos raros destinos que visitei que faz você esquecer que existem cidades –com suas ruas, seus barulhos, seus estresses, suas agitações, seus habitantes e suas festas. Festas, aliás, que a gente adora.

Aonde a gente vai e brinca e pula e dança e ama e ri e se apaixona e se esquece –como no Carnaval. E por isso mesmo é tão bom saber que tem um cantinho como esse no Canadá onde é possível dar um tempo de tudo isso".


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