Folha de S. Paulo


Comment te dire adieu?

Se volto a Paris por aqui, no lugar de avançarmos para um novo horizonte, é por um bom motivo. Um grande amigo, com quem passei momentos inesquecíveis na cidade, está se despedindo —e movido a pura gratidão resolvi dedicar este espaço hoje a ele.

Lembro-me da primeira visita, quando cheguei tímido, ainda inseguro se nele eu encontraria um certo ar de exclusão ou seria abraçado com a amabilidade parisiense —que muitos turistas, assustados com um primeiro tratamento mais formal, desistem de encontrar.

Era minha estreia no Roseval —o melhor restaurante de Paris em 2013, segundo o adorado guia "Fooding", uma espécie de "Michelin" alternativo— e fui recebido com simplicidade (um balcão, sete mesas, uma faca de cozinha servindo como trava para a janela não abrir com a ventania), e uma imediata recompensa sensorial.

O endereço sempre causou estranheza. "Rue d'Eupatoria?", perguntavam invariavelmente os taxistas, fazendo com que eu duvidasse da minha pronúncia. E o menu era vago: nada de pratos, apenas ingredientes do dia selecionados pelo chef italiano com o improvável (para nós, brasileiros) nome Simone Tondo.

Mas a experiência de ocupar uma das mesas minúsculas e degustar o que ele havia preparado era transportadora —deste nosso plano terrestre para o nirvana. E mais: quando o sommelier Martin Ho (que é dinamarquês) entrou para o time, os prazeres ganharam ainda novas dimensões.

Foram noites memoráveis. Comemorei os 72 anos da minha mãe por lá e tantos outros aniversários com amigos do Brasil que passavam por Paris. Roseval foi cenário de jantares românticos, outros tantos de cunho mais mundano (leia-se "mero hedonismo") e um par de refeições solitárias —sempre cortadas por um papo rápido com Martin, Clément (o assistente principal) ou mesmo Simone, se a cozinha permitisse (o segredo era pegar sempre o segundo serviço, às 22h).

Quando passei por Paris da última vez, em junho último, fui surpreendido com a notícia de que eles iriam fechar! Martin, animado, disse que eu teria que ir à "grande despedida", um jantar final neste 31 de julho. A data para mim seria impossível —então fui dar meu adeus na semana em que estava lá.

Entre copos inacreditáveis e pratos mais ainda (vieiras, rabanetes, musses, vitela, framboesas, queijos, timo!), soube então que Simone e Martin já têm novos planos -um novo restaurante, um novo conceito. Quem sabe já no final deste ano.

Numa cidade em que não faltam opções para comer bem, é uma delícia ver como chefs se reinventam —o Roseval já foi o melhor de Paris, mas nem por isso Simone se acomodou. É como se a vibração das ruas (e das panelas) nos convidasse a sempre experimentar algo novo —e, mais que isso, a conhecer gente nova.

Assim, pegando carona na música de Françoise Hardy (que dá título à coluna de hoje), aqui me despeço do Roseval —para todos que tiveram a chance de lá comer, um lugar de sabores e de amigos. Eu diria até um monumento, tão bom de visitar como todos os cartões-postais da cidade.

E o único que tem uma faca travando uma janela..


Endereço da página: