Folha de S. Paulo


A casa do amor

Quase 25 anos separavam minha primeira impressão da Cidade do México –imponente, misteriosa, colorida, arrojada– da segunda: confusa, cinza, caótica, apertada. Conheci a cidade em 1973, aos dez anos de idade, e depois só retornei em 1997.

A magia de sua cultura ancestral marcou bem aquela criança que mesmo de volta ao Brasil insistia em andar com um calendário asteca pendurado sobre sua blusa de gola rolê –na mesma proporção em que o trânsito e a poluição foram constantes no retorno depois de mais de duas décadas: voltei então dizendo que a capital mexicana era uma espécie de interseção infinita de "avenidas Santo Amaro" (uma antiga referência de feiura urbana em São Paulo).

Então eu fui à Cidade do México pela terceira vez, em 2004. E o que encontrei? Uma metrópole moderna, divertida, frenética, multicultural –e até romântica! Como assim?

Quando a gente viaja muito, não demora a perceber que as cidades mais interessantes são justamente as mais capazes de se transformar. As impressões que eu tinha da Cidade do México, demorei para perceber, queriam me dizer exatamente isso: "Toda vez que você voltar aqui, vai me encontrar diferente –e eu vou provocá-lo". Depois dessa terceira visita fui para lá mais umas quatro vezes e, de fato, a cada vez saí com uma sensação nova. Mas sempre mais apaixonado. Tentemos juntos entender...

A reverência que eu guardava das primeiras visitas àqueles museus –sobretudo os arqueológicos, que passaram por adaptações e ficaram ainda mais atraentes– e das fachadas imponentes (fiquei em um hotel projetado pelo grande Luis Barragán, o Camino Real), foi agregando-se à boemia de bairros como Polanco e, mais ainda, Condesa, uma espécie de Vila Madalena mais "caliente" (para dar outra referência paulistana). E uma vez que felizmente não bebo tequila (nem mezcal!), cada estada na cidade me fez colecionar uma memória diferente.

Talvez, nenhuma tão forte quanto a visita a uma certa casa na rua Londres, no bairro de Coyoacán.

Mesmo para um lugar que não é exatamente carente de cores como a Cidade do México, o Museu Frida Kahlo é uma verdadeira explosão prismática. Mas o azul das paredes, o vermelho dos batentes, o verde das portas, o amarelo das escadas e canteiros, mesmo gritando alto, são apenas um sussurro sensorial diante da forte emoção que uma simples visita ao museu nos traz.

Ele é pequeno. Se você quiser, conhece tudo em 15 minutos –mas eu o desafio a entrar lá e não passar horas... A paixão da artista –por Diego (Rivera, pintor mexicano), pelos animais, pela política, pela sua arte, pela sua dor– contamina positivamente quem por lá passa. E não há suvenir em oferta na lojinha (nem um coração de porcelana que uma vez eu comprei) que possa substituir essa lembrança forte que sai com a gente.

O que Frida costurou a vida toda –e transborda pelas paredes do museu– foi o amor. Que beirava a loucura, é verdade. Mas que talvez seja o único que vale a pena, como todos aqueles corações de lata espalhados por todo o México fazem questão de nos lembrar...


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