Folha de S. Paulo


Fama injusta

Miami é bom mesmo para quê? Compras, claro! Paraíso do outlet! Um mojito meio aguado, talvez. Uma manhã ensolarada na praia –se bem que a piscina do hotel é sempre mais tentadora"¦ Também não podemos descartar as oportunidades de praticar o espanhol. E provar um pouco não só da culinária, mas do estilo de vida cubano"¦

Na primeira vez que fui a Miami, ela ostentava ainda um outro predicado: uma escala charmosa para a Disney World. Eram os anos 1970, quando voos direto para Orlando, se existiam, não faziam parte do roteiro dos brasileiros que visitavam o parque de diversões. Tínhamos que aterrissar em Miami e depois negociar uma estrada até encontrar Mickey e sua turma.

Hoje em dia, se preferir, você voa direto para a Disney, mas Miami ainda é associada a boa parte dos lugares-comuns que citei acima, emprestados da cultura de consumo –para não falar da cultura pop (de "Miami vice" até "Dexter"). Em visita à cidade recentemente, lembrei-me de todos esses clichês e pensei: que grande injustiça!

Desde aquela primeira vez a caminho do "reino encantado" –muito antes de Harry Potter sequer existir (quanto mais como atração de um parque temático)–, já voltei algumas vezes a Miami. Raramente por prazer, já que boa parte dos artistas que entrevistei (de Lenny Kravitz a Lady Gaga) escolhe fazer seus trabalhos de divulgação para o mercado latino (ou seja, nós!) por lá. Mas eu diria que já retornei um número de vezes suficiente para formar uma outra ideia da cidade.

Agora em abril, então, ciceroneado por uma amiga que já morou vários anos por lá, tive a certeza de que esse é um destino mais interessante do que os pacotes de compras de enxoval de bebê podem oferecer. Nada contra o consumo –eu mesmo achei algumas pechinchas por lá agora. Mas também tive a chance de conhecer coisas novas e surpreendentes.

Quem diria, por exemplo, que Miami tem um dos melhores espaços para arte contemporânea nos Estados Unidos? O Pérez Museum é relativamente novo –pelo menos nesse magnífico prédio, assinado pelo moderníssimo escritório de arquitetura Herzog & de Meuron. Já é uma visita obrigatória, por dentro e por fora.

Você sabia que a cidade tem não só um jardim botânico belíssimo chamado Fairchild, mas que guarda (até o fim deste mês), além de plantas, incríveis trabalhos em vidro de Murano do artista Dale Chihuly? Eu confesso que desconhecia essa atração por completo –e fiquei extasiado ao ver o contraste entre o verde da natureza e o colorido daquela arte.

E o roteiro de piscinas? Desde uma surreal em Coral Gables, com inspiração veneziana –sim, tipo "de Veneza"– até as áreas de lazer de hotéis famosos do passado (Fontainebleu) ou do presente (Mondrian).

E, só para falar que a gente também gosta de um clichê de vez em quando, eu nunca me canso de olhar (e fotografar) as fachadas "art déco" de South Beach –de dia (pelos contornos) e de noite (pelos néons).

Fiz compras dessa vez em Miami? Claro que sim, mas mais e mais vejo Miami menos como vitrine e mais como cidade cosmopolita, que enche sua bagagem não só com ótimas ofertas, mas com uma rica experiência cultural. E olha que nem tive espaço hoje para falar de Little Havana"¦ "Azúcar"!


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