Folha de S. Paulo


No ritmo dos locais

Como nas cidades que a gente visita com mais frequência –Buenos Aires, Nova York, Lisboa, Paris–, lá estava eu de novo tentando entender aqueles estranhos costumes. As pessoas em volta de mim estavam vestidas com estranhos trajes típicos. Cheguei bem na hora de um ritual tradicional e, como um bom turista, comecei a observar os hábitos locais –e tentei fazer contato com os nativos.

Todos, sem exceção, eram extremamente receptivos ao contato, a ponto de muitos deles nem me enxergarem como um turista. Na tentativa de passar despercebido, eu estava vestido como uma de suas tribos e, apesar de várias tentativas de memorizar frases que poderiam me ajudar, eu definitivamente não falava a língua deles –uma ou outra coisa solta, que, quando eu reconhecia que eles estavam falando, eu levantava a cabeça e repetia com o orgulho tolo de quem acerta falar, por exemplo, "obrigado" em tailandês.

Depois dessa bem recebida tentativa de entrosamento, fui andar pela avenida principal do lugar que visitava e tentei acompanhar o ritmo dos locais. Para minha alegria, identifiquei outros turistas como eu –uns mais deslocados, outros já mais familiarizados com o dialeto, mas todos com aquela expressão que certamente eu também tinha no meu rosto: a de um impostor, tentando se misturar à paisagem local. Mas será que eu estava mesmo enganando alguém?

Nesse passeio pela rua central, depois de apenas alguns minutos, sentia que já não era mais observado. Além das pessoas que estavam mais próximas de mim, outras, distantes, jogavam olhares de simpatia. Eram turistas também, mas daqueles que optaram não por uma experiência de imersão, como eu, mas pelo olhar distante –como aqueles exóticos viajantes que percorrem longas distâncias apenas para admirar um pássaro raro.

E éramos nós uns pássaros raros também –alguns até com bela plumagem (e não uso a expressão apenas como figura de linguagem). E, ao todo, encarados de longe –do ponto de vista daqueles outros turistas passivos–, achei que estávamos formando um conjunto harmonioso. Logo estava me sentindo à vontade, arriscando mais algumas frases, movendo-me com uma desenvoltura que, se não era igual a das pessoas que encontrei por lá, pelo menos era espontânea o suficiente para ganhar a aprovação de quem nos observava. Era como se eles gritassem de longe: "Volte sempre, você está em casa".

Era nesse convite que eu pensava quando o passeio já estava terminando. Depois da euforia inicial da experiência, fui baixando a excitação e, numa praça maior onde tudo e todos se misturam, fui vendo os habitantes daquele território tão fascinante se despindo e percebi, como a gente sempre percebe ao fim de cada viagem, que eu não era muito diferente deles. E tive vontade de viver aquilo tudo de novo.

Fiz isso por mais de 12 anos seguidos, cada vez com mais vontade, até que um dia ganhei uma faixa de reconhecimento: eu (e a escola que eu tinha escolhido para sair) era campeão do Carnaval carioca. Aquela terra encantada era a Sapucaí, onde este turista –que, aliás, é desta terra– levou algum tempo, mas finalmente se sentiu em casa.

Este ano não vou para lá. Decidi visitar outros destinos mais longínquos neste Carnaval. Mas sei que vou ver as imagens da folia na semana que vem na avenida, e vou sentir saudade como se tivesse recebido um postal de um lugar que aprendi a gostar, e que tenho sempre a esperança de voltar.


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